SUPER-HERÓIS

Ontem saí para beber com um amigo. As coisas já não são mais como antes. Dizem que melhoramos com tempo. Depende. Não é bem por aí. A gente se torna mais paciente, é verdade. Mas também nos tornamos mais rancorosos. É difícil ver certas pessoas fazendo o que você podia fazer antes. Podia. Porque hoje não dá mais. Não é mais como antes.

Ficamos no bar até meia noite, enchendo a cara com cerveja feita à base de água de torneira. Antigamente, à medida que bebíamos e íamos ficando bêbados, virávamos super-heróis. Hoje não acreditamos mais nisso. Digo, hoje não acreditamos mais na nossa invencibilidade. Quando crescemos, a verdade se revela e aí é melhor tomar cuidado. Muita gente por aí não consegue entender. Outras entendem, mas fingem que não entendem. Essas duas espécies realmente conseguem alguma coisa na vida. Bobagem esse negócio de que o mundo é dos inteligentes e dos honestos.

Em determinado momento, meu camarada me encarou e disse que nós não tínhamos sido feitos pra esse mundo. Emborquei o meu copo e respondi que ele estava certo. Mas na verdade eu não tinha certeza disso. No fundo concordo com aquele filósofo grego (Sócrates? Aristóteles?) que afirmava que adquirir conhecimento (e mudar de mundo) é perceber que se ficou mais burro. Ando calejado, já vi e fiz muita coisa. Mas estou ficando cada vez mais burro. O grego estava coberto de razão.

Lá pelas onze pedimos uma porção de peixe frito. Naquela altura já estávamos divagando demais. Parecíamos aquelas crianças de antigamente. Querendo ter um corpo de "adamantium". Mas logo percebemos que estávamos caindo numa puta quimera. E retrocedemos. Voltamos ao ponto inicial. Bem naquele ponto em que dizíamos que nada poderia ser mais como antes. Não tem jeito. Hoje se vive sob o império da velocidade. E nós somos velozes ao nosso modo. Não como querem que nós sejamos.

Tivemos de parar com aquilo tudo quando o garçom veio nos dizer que estava na hora fechar. O garçom parecia um sujeito descente. Do tipo que também já caiu em si e chutou a lata pra bem longe. Nada de subserviência. Nada de arrogância. Era ele, um indivíduo com o seu próprio acervo biográfico. Ok. Pagamos a conta e eu convidei meu camarada para irmos terminar o porre em outro lugar. Ele, é óbvio, aceitou o convite a lá fomos nós. Prontos para virarmos super-heróis num boteco de esquina qualquer.

João Pegado
Enviado por João Pegado em 20/01/2011
Reeditado em 20/01/2011
Código do texto: T2740481
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