O pessimismo que nos atola
Amigos, acabo de fazer uma constatação que me deixou literalmente tonto. Isso mesmo, amigo leitor, completamente tonto e estupefato!
Ao ler, este ano, vários trabalhos literários que disputaram prêmios, não vi nenhum premiado que nos provocasse sequer um sorriso, uma tênue esperança, um horizonte risonho. Nenhum lirismo nessas obras. Pelo contrário, todas essas produções retratavam apenas agruras, sofrimentos indizíveis, delírios, enfim, só desgraças, tristezas e patologias, para a delícia dos críticos...
Será que só merece prêmio literário quem fala em desgraça? Será que estamos vivendo novamente aquela época antiga daquele grego que só fazia chorar?
Será verdade que a tragédia é mais sedutora que a alegria? Alguém já disse que a tragédia nos atrai porque cada um de nós sofre diferente. A tragédia tem muitas facetas e os sofrimentos não são iguais. Já a felicidade é sempre igual, todos são felizes do mesmo jeito, o que retiraria o atrativo da alegria.
Com a minha estupefação, foi natural lembrar-me mais uma vez de um personagem do Nelson Rodrigues. Sempre ele. Era um ceguinho, que andava pelas ruas do centro do Rio, com óculos escuros, barba grande e bengala branca.
Andava assim para não ser reconhecido como brasileiro, pois em determinada época o brasileiro tinha o costume de falar mal de si próprio. O brasileiro se autocensurava por tudo. Só enxergávamos virtude no europeu. Aliás, conserto eu, ainda hoje esse estranho costume perdura.
Pois bem, na história do ceguinho, o Nelson conversa com ele, baixinho, numa leiteria da Avenida Rio Branco, no centro do Rio. Em certo momento do diálogo com o falso ceguinho, os dois ouvem um cara na mesa ao lado dizer mais ou menos, segundo me lembro, o seguinte: - “Se me aparecer um brasileiro pela frente, bebo-lhe o sangue” . - Deixa eu fugir- balbuciou o ceguinho fajuto - já com medo de desconfiarem que ele era brasileiro, antes que fosse enforcado num galho de árvore como um reles ladrão de cavalos.
Que me perdoem os bons amigos, mas acabei me identificando com essa história e começo a ficar com o temor do ceguinho e acabar sendo perseguido, ao não me deixar dobrar pela tragédia, pois entendo, apesar dos pesares, que a humanidade já avançou muito e tem tudo para aspirar a uma relativa felicidade, desde que pare com a idéia fixa de cultivar o patológico .
Só vou dar um pequeno exemplo prosaico da nossa evolução. Há quatrocentos anos, no fim da Idade Média, os dentistas de então eram barbeiros e ferreiros. O ferreiro quando arrancava um dente acabava tirando o dente e mais o osso do maxilar. Se vivesse naquela época, não tão distante assim, acho que procuraria um barbeiro, pois suas ferramentas eram menos violentas. Os que me conhecem sabem que sofri muito nas mãos dessa turma de sádicos, em pleno século XX. Por isso, foi com espanto que ouvi um jovem dentista me dizer que hoje a filosofia deles é evitar a dor dos seus clientes. Como sou otimista, acreditei!
Mas voltando ao nosso tema. Os psicólogos humanistas, no aspecto da ética e dos valores, chegaram a vislumbrar o lado positivo do homem, a beleza da vida, as virtudes, o lado forte do ser humano, mas foram logo engolidos pelas hienas do pessimismo, quase calando a voz dos otimistas.
É por isso que volta e meia apelo para os poetas, que sabem encontrar o mel da vida e não se deixam atemorizar pelos trágicos. A coragem desmedida dos poetas me assombra e torço por eles. Eles são desassombrados, vivem em permanente deslumbramento. Sabem enxergar o belo, que também existe.
Mas enquanto essa maré não passa, com a maioria acreditando no pior, por via das dúvidas, informo que já comprei minha bengala branca, os óculos escuros e a barba postiça, escondendo o meu rosto risonho e esperançoso.