Crônicas do Hipercentro: Um almoço indigesto

Crônicas do Hipercentro: Um almoço indigesto

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Tão logo Heloisa Gláucia soube que o marido teve um filho com outra, tratou de colocá-lo para fora de casa.

Ainda fervendo de raiva, jogou pela janela do segundo andar do sobrado onde moravam, todas suas roupas, para deleite da vizinhança.

- Sempre soube que Gutembergue não era boa bisca...

- Coitada de Heloisa Gláucia...Merecia coisa melhor.

- Já souberam que o menino é bem moreninho?

- Claro! Afinal a mãe não é a Juciléia?

- Você conhece?

- Pois não fui eu que a indiquei pra Heloisa Gláucia? Se arrependimento matasse, viu?

- Juciléia? A da faxina?

- Essa aí mesmo.

- Pouca vergonha...

- Heloisa Gláucia, precisamos conversar.

- Conversar o quê, Gutembergue? Vai me dizer que quer que eu vá ao batizado do...como é mesmo o nome?

- Valmir.

- Isso! Valmir. Quer?

- Quero o quê, Heloisa Gláucia?

- Que eu vá ao batizado do...

- Valmir

- Quer?

- Quero que você almoce comigo para tratarmos de algumas pendências.

- Almoçar? Mas nem morta!

- Por favor, Heloisa Gláucia...

- Que dia?

- Amanhã.

- Mas você não me aparece aqui!

- Encontramos no restaurante então.

- Tá bom.

- Beijo.

- Que beijo, Gutembergue?

- Jeito de falar, Heloisa Gláucia...

- Estou com muita despesa.

- Claro! Criança custa caro ou você não sabia?

- Você rasgou todas as minhas roupas. Tive que comprar tudo novo.

- Passa o vinho.

- Vá com calma.

- Deixa de ser chato, Gutembergue!

- Queria pedir uma coisa.

- O quê?

- Sabe como é. Montar casa nova não é barato. Ainda mais que tudo ficou com você.

- Tá cobrando, Gutembergue?

- Não! De jeito nenhum. Mas tudo é muito caro.

- Mas não deve ter pensando nisso na hora de dormir com a faxineira, não é?

- Juciléia.

- Vê se não enche e me passa o vinho.

- Desse jeito você vai ficar tonta.

- Preciso que você me empreste algumas roupas de cama até ter dinheiro para comprar novas.

- Como é que é?

- Roupas de cama, Heloisa Gláucia.

- Pra você dormir com a...

- Juciléia? Mas é claro que não! Estou dormindo sem lençol. E você sabe como sou friorento.

- Dá cá esta garrafa.

- Empresta ou não empresta?

- Passa a garrafa, ô Gutembergue!

- De quantos você precisa?

- Quatro.

- Quatro? É muito! Empresto três.

- Tá bom. Posso escolher?

- Pode.

- Quero aquele vermelho e branco.

- O de cetim?

- Esse mesmo.

- Mas era só o quê me faltava mesmo, né Gutembergue? Escolher justo o de cetim vermelho. E vai fazer o quê com um lençol de cetim vermelho na cama?

- Dormir, ora!

- Ora digo eu, Gutembergue. Ora digo eu.

- Tá bom, Heloisa Gláucia. Então escolhe um.

- Passa o vinho.

- Mas já estamos na segunda garrafa.

- E pelo jeito, vamos para a terceira!

- Te empresto o amarelinho.

- Aquele que já tem até um remendo no travesseiro?

- Esse mesmo.

- Você ainda não jogou aquilo fora não?

- Vou jogar agora...

- Me passa o vinho.

- Tá bebendo muito, Gutembergue.

- Então escolho o lilás.

- Que lilás? Não temos nenhuma roupa de cama lilás.

- Aquele com uns bordados.

- O fúcsia que a vovó bordou pra mim?

- Não grita, Heloisa Gláucia! Tá todo mundo olhando pra gente.

- Você acha que vou te emprestar a roupa de cama que a vovó bordou pra gente?

- Para de chorar, pelamordedeus!

- Você acha mesmo, Gutembergue?

- Tá bom! Tá bom! Toma o guardanapo e vai enxugar o rosto.

- E o azul?

- Você odeia azul.

- Não estou podendo me dar a este luxo não...

- A que ponto nós chegamos, heim, Gutembergue?

- Que ponto?

- Dividir roupa de cama.

- É empréstimo, Heloisa Gláucia. Empréstimo!

- Que empréstimo que nada! Você é o maior unha de vaca que eu já conheci na minha vida.

- Olha como fala comigo...

- Unha de vaca!

- Não grita!

- Que vexame. Que vexame...

- Pede outro vinho!

- Heloisa Gláucia...

- Pede! Seu unha de vaca. E não vai pensando que vou dividir a conta com você.

- Por quem me toma?

- Eu já devia saber quando me casei com você...

- Saber o quê, Heloisa Gláucia?

- A cobra que você é.

- Olha como fala comigo...

- Basta olhar pra sua mãe.

- Não fala da minha mãe que a jiripoca vai piar.

- Pode piar, cacarejar, até miar. Por mim ó!

- Foi uma péssima ideia te pedir alguma coisa emprestada.

- Péssimo foi ter te conhecido!

- Vai parar de comer não, Heloisa Gláucia?

- Por quê? Te conheço! Tá querendo falar o quê com isto?

- Nada. Fofa...

A jiripoca piou.

(Meus agradecimentos ao J. Estanislau Filho, Stan, que teve a brilhante ideia de dar vida a esse danado, chamado Gutembergue).

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http://www.jestanislaufilho.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=2714135