O que é o que é?

Recanto onde me escondo e com meus pares navego ondas de afetos disfarçados em palavras. Palavras não mais fixadas na pedra, em pergaminhos ou papiros. Palavras muitas vezes nem mesmo escritas no papel. Táteis, inicialmente, que surgem no espaço branco do editor de texto, pelo menos nesta momentânea experiência. Resultantes não só da minha mente, mas da mente de tantos que vieram antes de mim. Foram os criadores dos bytes, do chip, da internet, etc., que tornaram possível que eu viva vida paralela e singular.

Se essa ligação se dá aparentemente por toques que geram palavras, me pergunto o que nos prenderia a esse lugar. Será que essa sensação tátil esse afago às teclas chega do outro lado? Será possível que o sentimento por trás das palavras se transmita somente de um jeito, do jeito que queremos? Está a magia da comunicação moderna apenas na conexão de interesses comuns? Ou somos multidão de pessoas carentes de aprovação vivendo um novo tipo de solidão?

Enquanto não sei nada disso penso no palpite de outros. Li em alguns autores sobre a formação de uma família virtual. Não uma família convencional de pai, mãe e filhinhos, que já não se sustenta assim há muito tempo em nossa sociedade. Sem falar que mesmo para os mais idealistas a respeito há a noção de que a família, além de ser “a coisa mais importante que temos” é também a responsável por muitas de nossas neuroses. O que será que trouxemos da família para essa rede de comunicação que recebe o nome aconchegante de recanto?

Por escolhermos com quem interagir, assim como escolhemos criteriosamente os amigos na vida do lado de cá, estaríamos livres de experiências desagradáveis? Navegar na internet não é navegar em mar de rosas o tempo todo. Assim é que, volta e meia, nos deparamos com espinhos. Espinhos que ferem tão profundamente que algumas pessoas não conseguem suportar e vão embora por uns tempos ou para nunca mais. Outros se disfarçam de flores, seres alados ou outros pseudônimos e assim sobrevivem.

Nessa carícia comanda o toque do teclado o coração de cada pessoa. Dos olhos que escrevem. Dos olhos que leem. Não é à toa que em nossa linguagem, as palavras comunicação, comunhão e coração soam com semelhanças. A rede mundial de computadores não é de máquinas, mas sim de pessoas. Pessoas com tudo dentro. Talvez o natural seja vivermos alternadamente de rosas e de espinhos. Quem sabe, quando buscamos apenas as rosas a frustração ao nos depararmos com espinhos não nos deixa crescer, mas ao contrário nos trava completamente.

O que é o que é? Sinceramente não sei. Até agora nada saiu como eu queria ao iniciar esta escrita e já é tarde para dizer algo que se aproveite no espaço de uma crônica. Quis um texto leve, divertido, sobre o sentimento que tenho do Recanto das Letras neste janeiro em que comemoro três anos de postagem. Se não mais escrevo em pedras, continuo a encontra-las no meio do caminho e à beira dele. Se algumas alicerçam o aprendizado e outras servem também para o pouso, há também muitas flores. Flores que dedico a todos que passam por aqui. O que é o que é? Quiçá, a magia das palavras que me escrituram quando por meio delas me permito falar.


 
fotos: meriam (ipomeias lilases)