Celular no Blecaute

Bom, acabou a força. Parece ser um blecaute daqueles. Eu dei sorte de já ter feito tudo o que eu tinha programado fazer hoje. Ou seja: não fiz merda nenhuma. Tenho ido dormir tarde demais e não consigo acordar cedo, por mais que ative três horários diferentes no despertador do celular. Inclusive essa porra de celular desapareceu de ontem pra hoje e apareceu do nada. Vai entender. Então, eu estava assistindo uns vídeos do Happy Tree Friends no Youtube quando as luzes se apagaram. Como sempre, meu irmão mais novo ficou com medo e gritou minha vó, que mora na casa de cima. É como se eu não existisse. A minha falta de emoção nessas horas ao invés de transmitir segurança deixa a criança desesperada. A minha prima veio com uma lanterna buscá-lo pra ficar com eles (a família dela, que mora na casa da frente) lá na calçada. Ela falou alguma coisa sobre velas e sobre o cara do bar da frente que eu não entendi e falei "aham". Quando dei por mim, percebi que a casa estava vazia e escura. E silenciosa. Deitei na minha cama e tentei dormir, mas o Poe começou a miar escandalosamente. Ele, assim como o Buk, tem pouco mais de um mês de vida e tem aquele miado estridente e chato se repetido muitas vezes. Fui checar se tinha ração e a vasilha deles estava cheia. A parte da água idem. Voltei pra cama e pensei em bater uma punheta mas sei lá, não tava rolando me concentrar com os gatos miando. Peguei os dois e deitei com eles. Eles ficaram passeando pela cama e por fim se aninharam em cima da minha barriga. Essa é boa: gato com medo do escuro. Aliso o pêlo de um deles. Há alguma coisa que encrespa o pêlo de um. É o Buk. Os desgraçados viraram uma lata de tinta pela manhã. Tinta que ataca a minha renite. Logo cedo (cedo: 1 da tarde) tive que limpar a casa. Fiquei com preguiça de dar banho eles e voltei pra cama espirrando e fungando infinito o nariz. Péssimo dono. Começou a chover. Parece um momento de paz. A luz acendeu e meu irmão voltou gritando, doido pra jogar videogame. Daí, a luz apagou novamente e, novamente ele saiu, novamente os gatos começaram a miar e novamente eu pensei em bater uma punheta pra pegar no sono. Eu não conseguia pensar em nada estimulante pra tal finalidade. Tinha ido pra academia à tarde e tinha uma loira realmente gostosa lá. Dado momento, calhou de eu fazer um exercício pro ombro num aparelho que ficava atrás no aparelho de agachamento que ela começou a utilizar pouco depois que comecei a utilizar o meu. Tentei olhar pro tênis, pra cima, pro lado. Mas acabava olhando ela com as pernas meio abertas, meio que de cócóras, descendo e subindo. A calça estava socada vocês sabem onde e eu comecei a ficar inquieto e fiz o possível pra terminar logo o que estava fazendo. Assim que saí da academia, fui no banco e depois no mercado comprar alguma coisa pra comer. No mercado tinha uma mulher casada de cintura fina, usando short jeans. Tinha uma bunda e tanto e estava com o cabelo molhado. Fiquei colocando umas batatas num saco e contemplando aquilo tudo quando do nada sai um cara de um corredor e enlaça a cintura da moça e olha pra mim. Ele também tava com o cabelo molhado. "Sortudo da porra", pensei. Na escuridão do meu quarto, enquanto a chuva caía com força no telhado da garagem, eu tentei pensar nessas duas, juntas, nuas, entrando no meu quarto segurando velas e incensos e besuntando meu pau com algum óleo de morango que esquenta e toda essa baboseira de filme pornô mas mesmo assim não rolou. Achei que estava virando veado. Hoje mesmo sonhei que tava currando um gay amigo meu em troca de dinheiro. Foi horrível acordar de pau duro! A primeira coisa que fiz quando abri os olhos foi ligar o computador. Tentei me cadastrar na Catho pra arranjar logo um emprego novinho em folha mas o site travou três vezes seguidas e eu acabei desencanando e fui pro twitter cuidar da vida dos outros. Meu irmão do meio chegou agora. Entrou, xingou e caiu fora sem que eu percebesse. Quando consegui pegar no sono meu primo ligou o som do carro com um funk bem podre e bem alto. Agora chove forte. Sinto-me numa caverna num filme do Indiana Jones (não sei o porquê disso, já que eu nunca assisti nenhum filme dele); Tiranossauros passeando lá fora, segurando garrafas de um litro de cerveja com suas patinhas e brontossauros ativistas do Greenpeace perseguindo açougueiros com as machadinhas dos punks do filme do Robocop. Já assistiram Happy Tree Friends? A luz desse celular tá me matando. Digitar nele também. Ah, caralho, hoje subindo a rua indo pra academia vi uma coisa que achei engraçada: dois moleques desciam a rua numa bicicleta gritando "AQUI É CAÇADOR, CARALHO!". Alguma coisa preta era arrastada por eles, ligada à um barbante que o moleque da garupa segurava. Quando eles passaram por mim, pude ver do que se tratava: era um urubu enorme. Pobre bicho, a cabeça sendo arrastada no asfalto, quicando nos desníveis da rua. "AQUI É CAÇADOR, CARALHO!", gritaram. "Como é bom ser criança no gueto", pensei. Os mais abastados, criados em condomínios, com suas viagens de fim de ano pro litoral e idas à escola particular dentro do carro do papai não sabem o que é viver de verdade. Com isso, consegui pegar no sono durante uma hora e acordei meio preocupado porque a casa continua vazia. Resolvi apreciar o silêncio. Nada de conversa de meia dúzia de moleques na sala. Nada de som de televisão. Nada da minha nóia com computador. Nada de música embalando meus pensamentos. Fechei a janela e a porta. Escuridão total. Tenho mania de deitar de lado na cama e de colocar os pés na parte de cima da beliche. A chuva forte lá fora. Lembrei-me de uma viagem que fiz na época do Bug do Milênio pra Foz do Iguaçu. Mulheres, campos de soja, céu estrelado como nunca mais vi, pagode no Opala branco, a Usina de Itaipu a menos de 2km de distância. Agora, a chuva lá fora. Um avião faz barulho. Começo a imaginar meteoros destruindo tudo. Ou uma chuva de ácido sulfúrico varrendo todo o planeta. As florestas em chamas, os mares evaporando, tempestades de raios infinitas. Agora me faço uma pergunta: por que meus pensamentos sempre enveredam para um caos do tipo? Eu não serei varrido como tudo e todos? Por que quero cinco minutos do vislumbre de uma destruição real típica de filme sendo que não vou ficar pra contar a história? Troco a posição na cama. Ah, como esperei por um momento como esse... escuridão, silêncio, chuva, paz...

E a luz acende.

Meu irmão mais novo entra correndo novamente e liga o outro computador e a televisão ao mesmo tempo. O outro chega da rua um pouco depois e ataca alguma coisa na cozinha.

Liguei o computador e passei isso pra cá.

14/01/2011 - 00:52hs

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 14/01/2011
Código do texto: T2728029
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