Breve Visita ao Museu do Coração
Fagner Roberto Sitta da Silva
Há coisas que às vezes não consigo explicar direito, elas acontecem e eu nem fico muito a pensar no que elas queriam me dizer… Algumas nem percebo que ocorreram e outras eu vejo que não vale muito a pena esquentar os miolos por conta de quase nada.
Mas há poucas, bem poucas, que fazem com que eu fique horas e horas percorrendo os corredores da memória, no meu museu de pensamentos.
Paulo Mendes Campos, grande escritor e poeta mineiro, um dos meus cronistas preferidos escreveu uma crônica que falava sobre fatos que não conseguimos encontrar explicação. O exemplo usado pelo cronista é de quando vemos uma pessoa do nosso convívio, no caso o pai de Paulo Mendes Campos, à distância e ficamos a olhá-la com ternura.
Na crônica citada, Paulo vê o pai e o mostra para os seus amigos que olham para ele enternecidos. Era o pai de um poeta. Isso já aconteceu comigo algumas vezes no centro da cidade enquanto estava com os amigos do trabalho e via o meu pai indo longe, num outro quarteirão, fora do alcance de um grito – que na verdade eu não ousaria dar -, mas ainda ao alcance dos olhos e do coração.
O nome da crônica é “Segredo”, não vou dizer que me lembrava do nome dela porque acabei interrompendo o texto só para folhear um livro de crônicas escolhidas de Paulo Mendes Campos que tenho na minha pequena estante. Se Mark Twain dizia que “em caso de dúvida o melhor é dizer a verdade” que sou eu para fazer diferente. Pois bem, essa é a verdade: não me lembrava do nome da crônica! Mas que importa o nome da crônica? Melhor ir ao motivo da escrita.
Pois bem. Estava eu no centro da cidade nessa semana pagando minhas contas, como qualquer pessoa normal que trabalha o dia todo e usa a hora de almoço para resolver seus assuntos e as de folga para o sagrado descanso dos justos e injustos, quando vi alguém que não via há uns quinze anos. No entanto, só eu a reconheci, e por um breve momento pude me lembrar do primeiro ano da escola, quando a vi pela primeira vez. Tudo bem quanto à idade, meu caro leitor, não tenho medo do tempo. Senti-me, por alguns momentos, com meus sete anos de volta.
Não irei falar que as recordações são inesquecíveis porque, na verdade, as tinha tirado naquela hora e depois, e também agora, do baú de memórias. O primeiro amor só não foi concretizado pelo desdém da pessoa ao qual ele era gestado. Mas também éramos pequenos de outra época bem diferente da geração que nos seguiu, não ficávamos, e namorar nessa idade talvez seria para os mais adiantados.
Como dizia uma amiga minha: naquela época nossas maiores preocupações eram fazer as tarefas e brincar. Éramos felizes, mas tivemos a infância possível, daqueles que nasceram nos anos 80 e viram as mudanças do fim do século passado, dentre elas, as do comportamento.
Éramos talvez mais puros, mais ingênuos que a geração dos anos 90, entretanto, na essência não mudamos. Ainda procuramos a felicidade e outras coisas que nos farão viver melhor.
Entretanto, me deixei, depois de ter chegado em casa, ser transportado ao meu museu particular, só que não me lembro como de fato tudo aconteceu. Éramos pequenos, e só me lembro que fiquei atraído pela beleza dela. Eu já era desenhista, um pequeno desenhista, claro que ficaria atraído pela beleza. Eu era um pequeno desenhista… Ainda sou um desenhista, meu divertimento de criança virou minha profissão. Eu não era poeta, muito menos escritor. Só que há muito que a beleza me atraía.
Por falar em poeta, certa vez uma amiga me enviou uma frase de Luís Fernando Veríssimo que dizia mais ou menos que alguém pode se tornar um poeta sentindo o mistério da madrugada ou depois de um não da namorada. Só fui escrever meus primeiros versos muito tempo depois, e não foi por um amor não correspondido, foi pela própria vontade de me expressar por outro meio. Mas havia nessa época uma pessoa ao qual dirigia meus versos, só que não lembro de mais nada do que foi escrito, rasguei todos eles. Não me arrependo disso, eram péssimos!
Esses versos sumiram da memória como também o sentimento que provocou a escrita deles e a pessoa a quem eles foram dirigidos nem soube e nem saberá disso por se encontrar distante e também porque o tempo se encarregou de jogar a sua poeira por cima das linhas de nossas vidas, que por um momento se encontraram, mas não entrelaçaram. Como também se encarregou de jogar sua poeira sobre a memória da primeira amada.
Só não entendo por que o destino – ou sei lá o nome disso – se diverte em pregar essas peças. De fazer com que fiquemos a revolver antigos guardados.
E ela ainda era bela, e o que denunciou que era ela mesma eram os traços do seu rosto. Apesar de estarmos chegando aos trinta anos ainda guardamos os mesmos traços, por isso a reconheci na distância e a olhei do mesmo jeito da crônica do Paulo para depois ficar divagando sobre o acontecido.
O que teria acontecido na sua vida? Seria feliz hoje? Não sei, talvez nunca irei saber, pode ser que venha a vê-la daqui uns vinte anos e nem a reconheça.
Voltei a divagar, a ver os rumos que dei para a minha vida, fruto de minhas escolhas. Sou feliz? Sou! Dentro das possibilidades e das impossibilidades. Não me sinto sozinho. Como havia dito, sou um desenhista, me acostumei com o silêncio.
Ela sumiu da visão sem ao menos notar que era seguida. Voltei para o trabalho, anônimo, como sempre gostei de viver. Em silêncio, fiquei revirando velhos objetos que mais tarde ordenaria na forma de alguma coisa, mas se eles fossem ordenados em forma de pensamento ninguém saberia disso. Quem sabe até seria melhor…?
Destino, grande pregador de peças, saiba que com uma simples corrida ao centro da cidade me fez voltar ao museu das memórias para rever o momento quando se inaugurou o coração!
2009
Publicada no minha coluna no blog Tempus Fugit do Portal de Garça: http://www.blog.portaldegarca.com.br/fagnersitta/2011/01/09/breve-visita-ao-museu-do-coracao/#more-347