Pseudo-Lendas da Selva Urbana

Quando eu voltava do estágio as sextas era uma sensação quase imediata de dever cumprido, as duas turmas estavam sempre lotadas, raros alunos faltavam. Encontrava-os habitualmente pelo caminho, após o término, quando já me direcionava para o ponto das vans. Trabalhos pra corrigir, detalhes para a próxima semana, corpo ainda disposto - nem todos os dias são de esgotamento - aqueles segundos, a cabeça entrava em ascensão.

Próximo ao meio dia não iria esperar muito até que uma van viesse, sem estar cheia, diferente de outros horários em que esse conforto se torna coisa rara. Conforto por conforto, chegar em casa às vezes fala mais alto! Entrei, sabendo que estava vazia, prontamente fiz minha cabeça para que a espera não fosse um ato lunático de desespero silencioso, mas logo os outros passageiros entraram, - escassos -, não muito diferentes de mim pareciam querer chegar ao seu destino sem demoras.

Metros à frente, onde o trajeto da van parecia cortar a rua com suas duas margens repletas de pedestres em sua senda, de caminhar despretensiosamente admirando as vitrines, carregando as compras; a viagem é nitidamente interrompida.

Ninguém ousa dizer muita coisa a princípio, mas todos já sabiam o motivo da parada inesperada. Nos poucos metros que o veículo tinha de força para se movimentar após o motorista ter freado, paramos ao lado de um grupo de Policiais Militares, a força da lei é maior que qualquer sinalização.

- Bom dia! Os documentos do carro!

O motorista que parece saber bem o que fazer, (por talvez já ter passado por isso algumas vezes), vai direto ao porta - luvas. Em uma ocasião como esta nada, é muito surpreendente, ou vexatório, e os passageiros sabem bem disso. Passam-se alguns minutos e o PM ainda a vasculhar algumas coisas entre os documentos, não sabe exatamente o que fazer, conversa com o companheiro de farda algumas coisas difíceis de ouvir de dentro do veículo. Alguns passageiros da parte de traz já começam a se pronunciar, sem alguma timidez, ou receio.

- Ô Meu amigo, quando vai acabar isso hein?

- Seu guarda, vamoaí!!

- Palhaçada, desse daí, todos os outros quando estão

de escala aqui, não ficam com essa frescura!

O Policial, enfim toma partido:

- Encosta o carro!

A decepção misturada à aversão, é quase total em todos os presentes! O motorista desce, pra continuar o procedimento. Seguidamente a esse evento uma senhora negra, de aparência branda, inofensiva carregando algumas coisas dentro de uma bolsa grande de aspecto grotesco, com uma saia longa, paloia, causando mais repulsa do que qualquer outra coisa diz:

- Moço eu quero descer

O trocador, prontamente se pronuncia com o ocorrido:

-Senhora, não tem como descer agora, os guardas já pararam a gente, vai ter que esperar!

- Mas moço, eu vou descer não quero ficar mais aqui não...

- Vou a pé...

O cara, que sabia muito bem a intenção de descer que havia, naquela senhora impaciente, logo, tratou de travar a porta de saída, e não se fez de rogado em avisá-la:

- Eu não vou deixar você sair daqui, tá entendendo!? Pode ir sentando aí!!

Ela retorna para os fundos da van, reclama da atitude leviana, do trocador, mas sem hostilizá-lo. Dizia ela que queria descer ali para encontrar com a filha, que já não interessava viajar naquelas condições em que nem poderia descer aonde queria. Acabo Desviando um pouco a atenção pro lado de fora, o PM que inquire o motorista, têm a feição receosa, agora preocupada, por saber como proceder e sabendo as conseqüências de tal ato, – bem provável a van, já estava fichada por alguma irregularidade anterior – pensando nisso, convoca o colega em algum outro canto e dialogam.

O motorista retorna, com a típica cara de: - Sabia no que isso ia dar! Ali mesmo começo a juntar as peças: Os guardas aceitaram um dinheiro, (aceitar nesse caso seria puro eufemismo), exigiram o recebimento de alguma quantia pra liberar o motorista infrator, provavelmente pensando no problema que iriam arranjar com outros companheiros de farda, que em situações anteriores aquela, haviam liberado a van pra circular livremente.

Mais a frente aquela senhora que aguardou durante tanto tempo pra descer, tem a chance de ter seu direito de ir e vir, readmitido. Insere-se tudo na plena ordem novamente, ela desce e some quase que integralmente no calor das ruas, evaporou sem muitos esforços. Os guardas “ganharam o dia”, dentro do maior dos esforços que é permanecer fiel aos princípios e valores, mesmo que esses não sejam só seus, e eles exijam sua própria cabeça! Valores apreendidos, valores empreendidos. Revoltei-me constantemente até o fim da viajem, inquietei-me com tudo que aconteceu, mas logo percebi quem realmente foi a AUTORIDADE.

Márcio Diniz
Enviado por Márcio Diniz em 13/01/2011
Reeditado em 13/01/2011
Código do texto: T2726093