Escrevendo uma crônica

Numa tarde de domingo, sem olhos e sem cabeça perambulava pelas quadras asfaltadas cobertas de rodas em velocidade. Não fostes de tal modo há um tempo atrás. Assim, um bicho de sete cabeças vi atravessando a avenida. Alguns se aproximam e até oferecem ajuda. Aceita uma delas até então, e atravessa tranquilamente com vida.

Ainda sem cabeça, parei e me sentei num dos banquinhos da praça e fiquei olhando, observando as oralidades das pessoas que ali passavam, sentavam e exercitavam o corpo e a alma.

O tempo vagava e minhas observações se distanciavam ainda mais das nossas realidades normais. Ali, não estava mais, ou estava associadamente envolvida àquela sociedade escrupulosamente isolada? Tais estilos de vida que nunca prestei atenção.

Pelo mesmo lugar passo de ônibus todos os dias faltando cinco para as sete da manhã, e a mesma questão tenho em mente: “O que fazem essas pessoas levantarem cedo de suas camas e virem fazer exercícios a esta hora, enquanto eu, aqui neste ônibus, faria de tudo para estar dormindo e não ir à escola hoje?”.

Nunca procurei respostas, é mais fácil inventar uma e deixar os fatos passarem despercebidos. Mas, um dia as coisas tendem a ser desvendadas.

Continuei sentada e muito bem ligada ao mundo que agora fazia parte. Acabara de chegar um casal de namorados, mas não era um casal comum. Nele presenciavam grande experiência de vida. Com a aparência cansada, porém muito feliz, escolhem um dos equipamentos e começam os exercícios, os mesmos de todos os dias.

Numa tarde de domingo, sem olhos e sem cabeça perambulava pelas quadras asfaltadas cobertas de rodas em velocidade. Não fostes de tal modo há um tempo atrás. Assim começava a atravessar a avenida Brasil, quando um rapaz me interfere dar o primeiro passo:

- A senhora quer que eu a ajude atravessar a avenida?

- Como? A senhora? Você está falando comigo?

- Sim, com a senhora.

- Desde quando sou senhora? Eu só tenho quinze anos e sei atravessar avenidas tranquilamente e sem a ajuda de ninguém!

- Ah... me desculpe. Quinze anos é a idade que a senhora se sente. Sei como é isso. Meu avô diz que nunca se sentiu tão jovem ultimamente, é que ele anda fazendo exercícios numa academia da terceira idade, e sabe como é, está se achando um garanhão...

- Com licença rapaz, estou com pressa – Pronunciei completamente nervosa, temendo ser um assalto.

- Ah... sim, vamos.

Não disse mais nada, se aquele era o momento de um assalto teria que encará-lo da forma mais calma possível. Então atravessamos e quando já ia entregando minha grande bolsa... “Meu Deus! Onde foi que arrumei esta bolsa horrível? Nem minha avó usa uma coisa dessas!” Fiquei mais assustada com a bolsa que com o suposto assalto. E foi isso apenas, um suposto assalto. Após atravessarmos o rapaz foi embora e disse apenas uma frase:

- Prontinho, a senhora está inteira. – E saiu.

Aliviada, me sentei no banquinho do ponto de ônibus e fiquei esperando o meu passar. E assim veio. Parou e subi. Já estava preparada para passar a roleta, quando a cobradora me interfere:

- Senhora! A senhora pode se sentar no banco da frente que está vazio, mas se preferir entre pelas portas de trás.

- Como? Senhora? Você está falando comigo?

- Sim senhora. Já faz um bom tempo que idosos não pagam...

Era só o que me faltava. Além de senhora também estava sendo chamada de idosa, mas gostei da idéia. Me sentei na frente e não paguei a passagem. Que maravilha, atualmente passagens de ônibus são uma fortuna!

Após uns quinze minutos de pensamentos com os fatos ocorridos, um senhor, já careca, de uns setenta anos entra no ônibus e com um tom bastante calmo me cumprimenta:

- Boa tarde!

- Boa tarde. – E já ia me levantando para ceder meu lugar ao senhor.

- Não, a senhora pode ficar sentada, precisa disso mais do que eu.

- Como é que é?

- Opa! Eu não quis ser grosseiro, pra falar a verdade a senhora está mais jovem que minha mulher. Bom, a senhora deve ter só uns sessenta e quatro não é mesmo?

- Quinze! – Fui simpática, até. Só podia estar de gozação comigo.

- Ah... quinze. Eu também me sinto com quinze anos, foi quando conheci minha mulher. Velhos tempos. Só de pensar que daqui a duas semanas comemoraremos as bodas de ouro... A senhora está convidada, será no dia dezessete no bar Dalila, aquele balancê...

- Muito obrigado senhor. – Não tive outra escolha a não ser cortar a conversa.

- E como é o nome da senhora mesmo? É que vou preparar aqueles convitinhos elegantes, sabe? Estou fazendo curso de computação gráfica e ando aprendendo a mexer com esses tipos de coisas. Quem disse que velho não aprende? Meu filho ta lá, não sai do computador. Isso é uma vergonha pra família, esses jovens de hoje não querem saber de trabalhar...

Finalmente, depois de quarenta minutos, me livrei do velho chato e desci do ônibus. Caminhei até a minha casa e avistei muitas pessoas. “Legal, temos visitas.” – Imaginei. Foi aí que quase enlouqueci.

Alguns me chamaram de mãe e outros de vovó, e a ficha foi caindo.

- Hoje é dia primeiro de abril! Dia da mentira! – Gritei tão alto que todos olharam para mim. – Nossa, como conseguiram pregar uma peça dessas em mim?

- Mãe, a senhora está bem? Hoje não é dia primeiro e muito menos dia da mentira. Acho que a senhora tem que tomar o seu remédio para a memória... Mas espere um pouco, o “vô” já está chegando, ele resolve isso.

E assim vinha um senhor com aparência bem simpática e feliz que me chamou pelo nome:

- Gabriela, meu amor. Vamos?

- Vamos onde?

- Dar uma volta no parque do povo e fazer nossos exercícios. Lembra? O nosso remédio de todos os dias. A juventude nos espera.

Continuei sentada e muito bem ligada ao mundo que agora fazia parte. Acabara de chegar um casal de namorados, mas não era um casal comum, nele presenciavam grande experiência de vida. Com a aparência cansada, porém muito feliz, escolhem um dos equipamentos e começam os exercícios, os mesmos de todos os dias.

Gabriela Cano
Enviado por Gabriela Cano em 12/01/2011
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