Disco de vinil
As etapas marcantes da vida muito se assemelham as faixas do obsoleto e saudoso LP.
Numas há momentos dramáticos, doloridos, como também há episódios alegres, descontraídos e grandiosos. Noutras há músicas suaves e tranquilas que proporcionam paz e satisfação, mas também há melodias e canções que incitam a tristeza, a ador, ao ódio.
Independente em que faixa esteja, o disco não deve parar de girar, a agulha precisa continua firme extraindo as mais variadas sinfonias, proporcionando inúmeras e diversificadas emoções.
Existem etapas da vida em que as dificuldades se apresentam de formas múltiplas. Algumas dessas dificuldades provocam arranhaduras no disco da vida, lesões que quando são superficiais a agulha acusa com um som distorcido mas prossegue, mas quando essas lesões são mais profundas a vida não anda, ficamos indefinidamente ouvindo a mesma sílaba, a mesma palavra. “medo de, medo de, medo de, medo de...”, repetimos os mesmos erros, praticamos os mesmos atos que não nos deixam atravessar aquela dificuldade para entrar noutra faixa, conhecer a outra música.
Quando o erro se repete sucessivamente a vida nos obriga a decretar falência, incompetência, equivoco e nos sugere recomeçar, assim como faz o braço do toca-discos que depois de inúmeras insistências sem conseguir ultrapassar o arranhão, retorna automaticamente ao inicio do disco.
Esse reinicio não apagará a dificuldade que nos fez retroceder. O arranhão permanecerá lá, mas proporcionará ao dono do disco, tempo para que ele possa resolver aquele problema, que no devido tempo, na devida faixa aparecerá novamente, pois aquele pedacinho arranhado faz parte daquela música, daquela faixa, daquela vida.
É preciso vencer a dificuldade que nos impede de ouvir e sentir o prazer que a outra faixa vai nos proporcionar. Assim como o náufrago necessita romper as violentas ondas que o impedem de abandonar a ilha-prisão que o isola de tudo e de todos.
Muitas pessoas se despedem da vida sem ouvir a outra faixa, incapazes de saltar sobre aquela cicatriz que arranhou seu LP. É como comer fruta verde, como mergulhar com os olhos fechados, como sacia a saudade sem um apertado e emocionado abraço.
Preciso ouvir todo meu LP, preciso vivenciar as etapas que existem por de trás da quela montanha de medo e insegurança que provocou a estagnação da agulha de minha existência, do arranhão que me impede de prosseguir.
Existe vida depois daquela fronteira do medo? Será agradável ou horrível a musica da outra faixa? Eis algumas questões que analiso enquanto caminho pensativo sobre a muralha que eu mesmo construí. Do lado de lá, há pessoas exalando alegria e felicidade, todas acenam sorridentes me convidando para onde estão, mas não sei se lá será bom para mim. A insegurança se apodera de minha mente e desnorteia minha decisão. Ora me vejo junto aos que me chamam, ora me proponho a colocar mais uma fileira de tijolos para aumentar ainda mais a muralha, a arranhadura que impossibilita que a vida prossiga, que chegue ao fim do disco.
Os que conseguem romper o arranham afirmam que escutam repetidamente uma doce melodia acompanhada das repetidas palavras: “ você venceu, você venceu, você venceu.”
O medo logo me agasalha e penso! Será outro arranhão? Outro obstáculo a ser superado?
E para minha surpresa, eles me elucidam dizendo que as palavras que se repetem são do estribilho final da última canção dos seus LPs que intitula-se “enfrentar a vida”.
Paz e luz.