Ninho de idéias
 
Assunto para escrever não falta a quem se dispõe embora às vezes pareça. Pois comigo isso está acontecendo e eu me rebelo. Não posso ser travada pela semi reclusão no andar de cima. Eu disse semi? Pois isso é um começo. Semi já não é o todo, é apenas uma parte.

A maior parte do tempo passo agora em um quarto que não é o meu e para onde trouxe o meu computador. Mas a maior parte já não é todo o tempo. Todas as manhãs vou para minha Fábrica de Pães onde tento ordenar certas coisas. Passo ali duas horas que são suficientes para fazer o que tenho que fazer. Que não é muito,
mas já me distrai.

Hoje comprei uma bengala para ajudar na minha segurança. É uma bengala simples, de alumínio, leve. A neurologista disse que eu poderia usar desde que não fizesse dela uma “muleta” para a vida. Não pretendo. É só para sentir um pouco mais de segurança enquanto minha perna teimosa não entra definitivamente nos eixos.
A neurologista, jovem, bonita e eficiente não concordou com o diagnóstico de neuropatia. Não sei se isso é bom ou ruim. Não quero ficar pesquisando na internet correndo o risco de sofrer por mau entendimento. Se o que me resta é paciência, vou cultivá-la. Não será por falta de chuva que essa plantinha vai morrer. 
 
Olho pela janela e vejo a feiúra do tempo. Nuvens cinza cobrem todo o céu que está demorando a voltar a ser azul. De repente torno a olhar e entre duas nuvens escuras vejo uma nesga brilhante – é o azul se escondendo atrás das nuvens, mas querendo se mostrar. Muito assanhado esse azul. Tomara que consiga, logo.

Lendo ora aqui, ora ali, idéias vão fazendo ninho em minha cabeça.Idéias não andam me faltando o que realmente estão faltando são as palavras certas, as boas palavras. Esta é do Roberto Pompeu de Toledo que garante que na vida não existe trama: coisas assim bem demarcadas com começo meio e fim. Ele se refere ao Novo Ano e ao Novo Governo e não há como discordar. Um ano não acaba e começa outro e pronto. Nem um governo. É tudo uma sequência. Na vida também é assim. Não deixei de ser eu apenas porque estou tendo que encarar mudanças em minha vida. Continuo a mesma com os mesmos problemas. Só arranjei outro e tenho que refazer as prioridades. Só isso. Diz ele que tramas com começo, meio e fim foram inventadas pela Literatura. E quem dá continuidade muito bem a isso são os autores das novelas de televisão. Isto sou eu que estou dizendo. No final da trama tudo vai se ajeitando: os segredos sendo descobertos, os conflitos se resolvendo, os pés cansados encontrando chinelos velhos para calçar. A vida em seu percurso não é assim. Mas a vida terrena neste espaço e neste tempo, esta tem começo e fim. Só não sei quando começa, se no nascimento ou na concepção. Mas termina quando o coração deixa de pulsar.