ERA UMA VEZ...
Era uma vez... Assim começavam os contos de fadas da minha infância. Década de 50, onde pouco se sabia e nada se questionava. Tudo vinha pronto, estigmatizado, pré-conceituado. Sem senso critico, aceitava-se como "inocentes" as fábulas que, ao mesmo tempo que encantavam, traziam implícitos conceitos de comportamento, de credos, de ideologias. Pareciam tão inofensivos! Tão instrutivos e didáticos! O bem vencia o mal, sempre. Viviam felizes para sempre os personagens. Personagens que nós, crianças da época, deveríamos seguir os exemplos. Exemplos de como deveria se portar o menino para ser um homem-macho-forte-dominador, sem deixar aflorar as emoções; deveres de toda a menina-futura-mulher-dona-de-casa, obediente e dominada pelo marido.
Era uma vez uma aldeia, na Idade Média, onde os moradores passavam as noites contando histórias sobre bruxas e princesas, belas e feras, meninas e lobos. Assim surgiram os contos de fadas. Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Branca de Neve, A Bela Adormecida foram passando, de geração em geração, por pessoas analfabetas dos tempos medievais. Na Idade Média, as crianças eram tratadas como adultos em miniatura, por isso as histórias não tinham nada de infantil e, originalmente, traziam grande dose de adultério, incesto, estupro, canibalismo e mortes. Na Europa do século XVI, caracterizada por pobreza e morte, os camponeses caprichavam nos detalhes violentos e libidinosos.
Na historinha do Chapeuzinho Vermelho existem duas versões da época: numa, a menina foi induzida pelo lobo a beber o sangue da avó e deitar-se nua com ele na cama; noutra, a menina faz um strip-tease para o lobo. A Bela Adormecida também apresenta duas situações diferentes, embora com a mesma conotação cruel: numa, ela foi violada por um anão durante o sono; noutra, o príncipe abusa dela e depois parte, deixando-a grávida. Em Cinderela, as versões primitivas dizem que a moça vira empregada para fugir do assédio do pai e que a madrasta, querendo matar a enteada, joga uma de suas filhas na fogueira.
A "invenção" da infância ocorre no século XVIII e, a partir desse momento, as historinhas medievais foram sendo adaptadas visando a inocência e o gosto infantil, graças a Perrault e aos irmãos Grimm. Mesmo assim, certos contos infantis foram questionados por pedagogos, psicólogos e psiquiatras por trazerem uma conotação distorcida para a formação da criança. No caso de A Bela Adormecida, por exemplo, há um certo machismo ao contar que ela conquista o príncipe em pleno sono - inerte, quietinha, comportada - como se espera de uma boa moça.E instiga a fantasia masculina: a princesa para casar e a serviçal para servir.
Mas, se compararmos os antigos contos com revistas em quadrinhos e com os desenhos animados da modernidade, podemos concluir que estes últimos também trazem, na sua grande maioria, idéias implícitas de comportamentos da época. A Revista da Mônica, por exemplo, mostra duas situações nocivas à criança: o Cascão não toma banho e a Mônica, em vez de dialogar, bate. Não esquecendo do famoso "bulling", quando os meninos taxam a Mônica de dentuça e gorducha. O Programa do Didi é campeão na discriminação das mulheres feias. Portanto, cada época, insere valores distorcidos e acaba por "fazer a cabeça" dos incautos, que introjetam as idéias sem pensar...