Pipa Avoada

Olhando a montanha verde da janela de meu quarto, sinto o vento forte que invade repentinamente o lugar. Lá vem elas voando desalinhadas, uma após a outra, contorcendo-se como minhocas, querendo resistir à correnteza...

Vento impetuoso e cruel, que não tem dó dos meninos outrora felizes, mas que agora enrolam suas linhas na lata de leite ninho, frustrados com as pipas que "avoaram".

Olho com mais atenção o cenário. Espera lá! Tem uma resistindo bravamente à ventania. Tem outra também, e mais uma, e outra lá,

mas esta última, coitada, repentinamente também se vai, como libertando-se da forca que a mantinha aprisionada no dedo "dibicador"...

Percebo com desdém e revolta a Montanha Verde assistir sorridente ao desfile agoniante das pobres pipas avoadas, na correnteza impetuosa da ventania. Queria ver se viesse uma tempestade morro abaixo, que durasse dias e dias e arrastasse os pedregulhos da terceira idade que descansam preguiçosos na Montanha Verde, como se ali pudessem permanecer eternamente! Duvido que sorriria galhofa, como faz agora, das infelizes pipas soltas debatendo-se agoniadas na correnteza da ventania que as traga.

Não teve jeito, parei de trabalhar para assistir a agonia das pipas. Pensei, cá com os meus botões, o quanto a vida é fútil. Em algum momento estamos felizes, como as pipas, comandados pelas mãos dos outros, dançando e divertindo-nos ao sabor dos nobres dibiques, aparos, tenteios e cruzas que alguém, à sua vontade, nos aplica.

Aprumamos nossos peitos e lançamos nossas rabiolas coloridas

exibindo-as com altivez, despreocupados, como se o futuro fosse certo e a beleza perene, quando, de repente, do Norte ou Sul, ou sei lá de onde mais, vem aquela forte tempestade e nos arrasta, soltos, agora sem o comando das mãos alheias.

Voamos em velocidade tempestade abaixo, torcendo desesperados para sermos aparados por outras linhas que ainda estão aprumadas, ou, quem sabe, toparmos com uma árvore frondosa que nos acomode suavemente do baque certo.

Ficamos, então, ali, naquela árvore acolhedora até que outra mão milagrosa nos encontre, mesmo que nos tire de lá com um bambu que machuque um pouco, mas que logo, com pequenos retoques, nos recoloque novamente no alto... e voltemos a ser aprumados no céu azul para reiniciarmos a nossa exibição imatura da vida...

Ou, quem sabe, jamais sairmos daquela árvore e, aos poucos, ir-mos definhando com a interpérie até sobrarem somente as varetas desalinhadas, que logo virarão adubo ao pé daquela árvore.

Esta ventania de hoje, no cenário do sarcástico Morro Verde que zombava da exibição das pipas aprumadas surpreendidas repentinamente pela tempestade, me fez pensar se eu, hoje, seria ainda uma pipa, agora quase "avoada".

Acho que sim...