Meus sapatos velhos
Tomamos café com toda a calma do mundo; coisa que não conseguíamos fazer durante a semana por causa da correria para o trabalho. Depois fizemos o que era tradição nos nossos sábados: Ela foi cuidar do jardim e eu fui ler o jornal.
“Hoje tem jogo da seleção de volei!”, lembrei ao pegar o caderno de esportes. Joguei o jornal na mesa da varanda e fui correndo ligar a televisão.. Ainda não havia começado.
Fui na geladeira, peguei algumas cervejas e meu baldinho de alumínio cheio de gelo.
Quando já estava no segundo set, surge a figura de Ana na minha frente. Luvas amarelas, avental azul, toca bordada na cabeça.
__ Tá parecendo apicultora!__ Eu brinquei.
__ Para de graça, Leonardo!__ disse ela, tirando as luvas sujas de terra__ esqueci de colocar algumas coisinhas na lista das compras de ontem.
__ Tá, Segunda feira eu compro__ respondi sem dar muita atenção__ Agora me dá licença, já está acabando o intervalo.
__ Não, Leonardo! É pra comprar hoje. Quer dizer, agora! Esqueceu que minha mãe vem almoçar com a gente hoje?
__ Claro que não, Aninha!__ mentira, eu nem lembrava disso.
__ Está faltando algumas coisas para o almoço. E você tem que comprar logo, pra dar tempo de eu fazer o almoço.
__ Meu amor, quando o jogo acabar eu vou no mercado.
__ Não, Leonardo__ disse ela, dando-me um lista__ Tem que ser agora!
Subiu as escadas.
Justamente naquele dia a bruxa inventou de almoça lá em casa. Que raiva daquela velha.
Reclamei, resmunguei, xinguei, mas acabei indo.
Não havia mais vaga no estacionamento do mercado. Depois de muito esperar e fazer palavras cruzadas, consegui um lugar.
Quando entrei levei um susto. Me senti num formigueiro. Depois de quase uma hora entre um batida de carrinho e outra consegui comprar os itens da lista.
Quando já estava saindo da seção de frios, indo em direção aos caixas, que mais pareciam filas do NPS, percebi que a sola do meu sapato direito havia descolado.
Na pressa de sair, nem, havia percebido que estava com meus sapatos velhos, de ficar em casa.
Que vergonhas. Comecei a andar arrastando o pé no chão. Parecei até o robocop.
Uma senhora, que era a última da fila abriu espaço pra mim.
__ Pode passar na minha frente, meu filho!__ disse ela.
Não entendi o porquê de toda aquela cortesia. Olhei para o sapato. Ela achou que eu era deficiente físico.
“Tenho que sair logo desse formigueiro”, pensei comigo mesmo.
Comecei a mancar, colocar a mão no joelho, fazer cara de dor.
De repente todos na fila começaram a me dar lugar. Até que cheguei no caixa.
“Graças a Deus!”
Um funcionário foi empurrando meu carrinho até fora do mercado.
__ Vai pegar um taxi, senhor?__ perguntou ele.
__ Não, minha esposa vem me buscar.
Esperei ele entrar no mercado. Empurrei o carrinho até o carro. Saí em disparada para casa.
Durante o almoço conversamos bastante; Ana falou da boa fase que estava passando no pet shop, eu comentei sobre a crise que estávamos passando na firma e a jararaca da minha sogra como sempre reclamou da pensão, que mal dava para bancar seus remédios.
Olhei pelo vidro da porta da copa. Lá na varanda estavam meu velhos sapatos.
“Quem diria, salvo por um sapato velho com a sola descolada”.