Prometeu, cumpriu

Prometeu, cumpriu

Éramos cinco colegas de trabalho, amigos, companheiros de pescaria e para tomar umas e outras no final do expediente bancário. Até chamavam-nos do time do levanta-copos. Só ficar livre do ambiente opressivo que nos prendia por seis horas, era uma felicidade indescritível. Por isso cumpríamos essa rotina de segunda a sexta. Ficávamos apenas umas duas horas. O Wellerson, exímio carpinteiro, habilidade, infelizmente, hoje em extinção, ensinava o ofício em uma escola noturna e precisava sair correndo.

Certo dia, após os aperitivos, convidou a gente para visitar sua casa e conhecer os móveis que construía nas horas vagas.

Era um artista, sem dúvida. Armários, cadeiras, estantes, havia uma infinidade de objetos cuidadosamente confeccionados. Ele os doava a uma entidade beneficente que os vendia para auxiliar na manutenção. Mas a minha obra-prima está no próximo compartimento-disse-nos. E tirou o pano que o cobria. Era um caixão funerário. Todo entalhado com diversas figuras bíblicas. Na tampa, uma imagem da Nossa Senhora esculpida. Internamente, todo forrado com veludo vermelho. Essa vai ser a minha última morada, disse, com ênfase. E solenemente fez-nos prometer que ele seria enterrado naquele caixão. Vai ainda demorar-dissemos todos, rindo. Se não formos antes...

Mas a notícia ruim chega cedo, como dizem. Em plena festa do último dia do ano, ele sofreu enfarto. Morreu no hospital.

Deveria haver uma lei proibindo morrer no Natal, no último dia do ano e no Carnaval. Tudo funciona precariamente. Em clima de festa, ninguém quer enfrentar um velório, principalmente ver nascer o ano novo em companhia de um amigo morto.

Poucos companheiros acompanharam-no ao cemitério. O pior quando o coveiro foi colocar o caixão na vala. Havia já duas gavetas ocupadas, ao lado. Só restava o do meio, atijolado. O caixão não cabia. Raspar um pouco, disseram. Com o quê? O cemitério prestes a fechar. Os coveiros impacientes. O carro funerário já tinha ido embora. E de lado? Cabia. Ele vai ficar só um pouco desconfortável. Era a primeira vez que víamos alguém ser enterrado de lado. Mas tínhamos a consciência tranqüila. Foi ele que não teve a prudência de tirar as medidas exatas do caixão. Só pensou em ornamentá-lo. Não sabíamos se vai descansar em paz, mas cumprimos a promessa.

Yoshikuni
Enviado por Yoshikuni em 10/01/2011
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