Homem velho com a cabeça em suas mãos
Estava eu de pé diante dele. Um senhor já de idade que insistia em afundar a consciência nalgum momento infeliz.
Encontrávamo-nos em uma casinha pobre de algum lugar da cidade de Haia, na Holanda de 1882. Ela tem soalho de madeira, onde as tábuas corridas amareladas por falta de cuidados, vinha em minha direção. Partiam da parede escurecida pelo tempo atrás dele e de uma lareira acesa, que tentava em vão, aquecer as esperanças daquele velho sentado em uma cadeira solitária, nada solícita. Alheia à suas dores.
O senhor voltara o lado direito das suas costas para aquela luz crepitante e opaca que parecia ser a única coisa viva naquele ambiente. Eu me encontrava do lado oposto. Via aquele homem sem rosto pela sua dianteira esquerda, reclinado, apoiando seus cotovelos nos joelhos tesos. Os pés, dentro das botas surradas pelo trabalho duro, apontavam em direção da sua mais profunda intenção. Fugir de si mesmo.
Aquela simples roupa azul era insuficiente para encobrir o frio, doravante os honrados esforços do madeiro em desalinho pela combustão do mísero oxigênio local. Da mesma forma, suas mãos calejadas e ossudas, mesmo encobrindo seus olhos, não nos impediam de entrever a sua dor. Imaginávamos as órbitas penduradas, no exercício da mais triste expressão. A sua calva rodeada pela experiência de vida descorada pelo tempo, tanto quanto qualquer outro ponto a ser observado naquele quadro, sugeria uma consciência limpa, porém cansada e desejosa da mesma sorte que intentavam os pés. Livrar-se daquela tormenta.
Fora daquele casebre estava toda sua história, toda causa de sua dor. A porta cerrada atrás de mim, um pouco a esquerda, esperava preguiçosa que aqueles pés levassem o infeliz ao inevitável. Eu, por minha vez, desejava o mesmo. Queria saber o que houve, se havia algo a ser feito. No entanto, antes que eu pudesse me virar e ir em direção ao entendimento, o sino da capelinha perto da minha casa soa tilintando alegria e esperança.
Retraio a visão daquela pintura de Van Gogh, onde o “homem velho com a cabeça em suas mãos” continuava imóvel. Será que ele não percebeu a metáfora? Que o destino dos seus pensamentos e vontades se encontra em suas mãos?
Afasto ainda mais a visão e percebo a magia da arte disponibilizada pelos bits que se expressam em meu computador.
Não descobri o problema que afligia aquele homem. Talvez porque quem deveria perceber a metáfora seria eu. Assunto para outra crônica.
Agora volto ao meu cotidiano, ansioso pela próxima viagem proporcionada pelos veículos de expressão da emoção. Imagem, som, palavra ou movimento.