Uma viagem em branco e preto.

Essa é uma história que aconteceu comigo e meu amigo Arthur, ou como dizemos, um irmão que apenas deu o azar de nascer em casas separadas.

Voltemos ao ano de 2000.

Mundial da FIFA acontecendo no Brasil, com uma sede em São Paulo e outra no Rio de Janeiro. Fomos aos 3 jogos do CORINTHIANS em São Paulo. Classificamos para a grande final, que seria realizada no Maracanã. E ficamos de olho no jogo do Vasco. Haviamos combinado que se o Vasco não se classificasse íriamos a final. Pois bem, como somos melhores torcedores que secadores, como todo bom corinthiano, o Vasco ganhou e vi nossa ida a final do mundial indo pelo ralo.

Uma certa tristeza se abateu, mas iria torcer como nunca pela televisão.

No dia seguinte, estava em casa almoçando com meus pais, quando tocou o celular. Era o Arthur, ele todo empolgado dizendo que tinha conseguido uma promoção especial no seu cartão de crédito para dividir as passagens em 6x, que dava para pagar, etc e tal.

Conforme ele ia falando, o diabinho que fica no meu ombro esquerdo ia incentivando. Já o anjinho que fica no direito recomendava a prudencia. Desliguei o telefone e meus pais ficaram curiosos. Eu expliquei o que tinha acontecido e, como eu já esperava, o anjinho perdeu o cargo para a minha mãe, que falou que era perigoso, que não tinha cabimento, que era muito dinheiro, etc e tal. Tudo corretíssimo.

Agora o que me espantou foi que meu pai deu um peteleco no diabinho e disse, vai sim filho, nunca mais vai ter um mundial de clubes no Brasil. Eu só não fiquei num silencio atonito maior, pois o da minha mãe ganhou de disparada. Ninguem falou nada por uns 8,4 segundos, até que minha mãe falou, não acredito, porque lá é perigoso, onde já se viu, e etc e tal.

Para resumir, na mesma tarde estava comprando os ingressos.

Já tinha tudo no esquema, meu amigo Cadu mora (ou morava) do lado do Maracanã, ai era descer no Galeão, pegar um táxi até lá e de boa.

Chegamos em Congonhas e parecia que estavamos dentro do Pacaembu. Era corinthiano para tudo que é lado, bandeirão esticado, gente cantando poropopó e por ai vai.

Entramos no busão para o RJ (era um avião, mas faltou só o cara batendo na lataria gritando) e foram 40 minutos de cantoria.

Chegando lá, a Fiel desceu e foi caminhando pela pista. (naquele tempo os passageiros desciam na pista e iam andando no Galeão).

Ai já tinha um primeiro vascaino nos recebendo.

Ao sair para a sala de embarque, tinha um cara com uma plaquinha com um nome de um gringo, ai o Corinthiano para não perder a piada repetiu o nome e o gajo disse, sim, é o senhor? Não, não sou. Risadas contidas. Nisso o carioca para não ficar por baixo emendou, engraçado, essa foi a decima quarta vez que fizeram essa piada. Ai todos que estavam do lado dele riram. Não me aguentei e soltei: - Meu, então você é tonto mesmo, não basta cair uma ou duas vezes, caiu na mesma piada 14 vezes seguidas!!!!

Foi o extase, o pessoal começou a gritar TIMÃO EO!!!! TIMÃO EO!!!!

Chegamos no ponto de taxi, entramos e falamos, vamos para a Rua tal. O cara abriu um olhão e falou:

- Tá loco meu irrrrrrrrrrmão??? Lá tão virando carrrrrrro. Num vai darrrrrrr. Tem que pagarrrrrr um tutuuuuu a maisssssss.

Conhecendo o Arthur como eu conheço, já segurei a mão dele que se dirigia pacificamente ao pescoço do motorista e disse com toda calma do mundo.

- Sai Arthur.

- Como sai? esse cara quer..

- Sai Arthur, por favor.

Ele saiu nervoso e eu com toda calma do mundo. Ele ia começar a reclamar comigo, mas não conseguiu pois foi subitamente deslocado pela corrente de ar que se formou após eu delicadamente fechar a porta do veiculo. (dizem as más linguas que ele está balançando até hoje).

Pegamos um amarelinho (taxi) e partimos para o Maraca. O taxista, carioca da gema já foi falando:

- Vocês são corinthianos cerrrrrrto? hoje é nóissssss, vamossssss atropelarrrrr aquelessssss bacalhau.

Começamos a rir e ele parou num farol, e já chamou o ambulante.

- O irrrrrrmão, ve 3 cervejassssss ai.

- A gente não bebe, obrigado.

- Então ve uma só para mim. Melhorrrrr, vê 2.

E ele foi bebendo tranquilamente enquanto nos levava a casa do meu amigo.

Chegando lá, subimos nos trocamos e fomos em direção ao Maraca. Primeiro susto. A casa do meu amigo era realmente do lado do Maraca, mas do lado da torcida do Vasco. Nos disfarçamos de cariocas, tiramos a camisa, mostramos nossa pele bronzeada e fomos passando.

Conseguimos chegar na torcida. Um mar de gente. Entramos no estádio em cima da hora. Faltava só 75 minutos para começar a partida preliminar. Começamos a pular, cantar e sentamos, pois ninguem é de ferro, rsrssrs.

O estádio foi enchendo, enchendo, a hora do jogo começando e ai vem a segunda surpresa. Não lembro de nada do que aconteceu no jogo, dos lances, de nada. Lembro só da torcida, eu pulando, gritando, xingando, mas do jogo.... NADA.

Tempo normal 0x0. Nós não aguentavamos mais. Uma hora na prorrogação, estava eu e o Arthur sentados, literalmente prostados na cadeira, mas começamos: " O O OOOOO TODO PODEROSO TIMÃO!!! O O OOOOOO TODO PODEROSO TIMÃO!!!!"

De repente, o grito começou a tomar conta da torcida e estavamos lá de novo pulando e gritando.

Ai penaltis. Infarto na certa.

Bate daqui, bate de lá, Edmundo se prepara e chuta para fora. CORINTHIANS campeão mundial!!!! Todo mundo gritando, pulando, menos o Arthur. Ele fazendo contas com os dedos, sem entender, ai uma hora que eu passei na frente dele gritei:

- SOMOS CAMPEÕES DO MUNDO P@%$@$@%!!!!!

Ai que ele entedeu e começou a pular. Tinha uma senhora que deu um abraço na gente, deu um beijo, ai um negão que também... bem, deixa para lá essa parte.

Ai começaram a invadir o campo e eu tive a feliz idéia:

- Arthur, vamos invadir.

- Mas será que pode?

- Lógico que não, mas vamos!!!!

Graças a Deus que essa hora eu tive uma feliz idéia. Antes um parenteses.

Estavamos na cadeira numerada, então para chegar ao campo, precisávamos pular um fosse de uns 3 metros, andar pela geral que estava vazia,pular outro fosse de uns 3,5 metros e escalar a parede do campo que tinha uns 5 metros.

Voltando, a minha idéia foi:

- Faz o seguinte Arthur, como eu sou mais pesado, vai você na frente que se acontecer alguma coisa eu te puxo.

E ele foi!!!!!

No que ele pisou no chão do fosso, apareceu policial de tudo quanto foi lado. Era paulada em todo mundo, cachorro correndo, um caos. E eu ali no fosso vendo o Arthur correndo de um lado para o outro. Ai uma hora que "acalmou", ele chegou ali em baixo e me pediu ajuda.

Sentei na beira do precipicio e estiquei minha perna, o Arthur pulou nela e comecei a puxar, mas não conseguia. Nisso veio um gordinho miseravel e pulou na minha outra perna. Ai comecei a escorregar para o poço e gritar solta, solta!!!

os dois começaram a brigar (pendurados cada um em uma perna):

- Solta!!!

- Solta você, ele é meu amigo.

- Eu não vou largar.

E eu escorregando... Quando estava com o Coquis (aquele ossinho no final das costas) e somente com o Coquis segurando todo o meu corpo, o do Arthur e do gordinho lazarento, o Arthur soltou e consegui puxar a mala sem alça. (não sem antes dar uns tapas na orelha dele).

O Arthur continuou correndo. Nisso eu vi uma cena de Indiana Jones, o Arthur veio correndo e literalmente mergulhou em direção a minha perna. Com o embalo eu consegui puxar ele de volta. Logicamente que ralando todo o peito dele no cimento do muro.

Continuamos a pular, comemorar. Mas a odisseia não terminou ai.

Tinhamos que esperar a torcida do Vasco inteira sair do estadio para 1 hora depois sairmos. Aqui vale uma lembrança. Ao chegar no estádio chegamos para um policial para vermos qual a melhor maneira de sair e ouvimos uma fase simples mas verídica.

- Se o Vassssco ganhar, sai rindo, se perder com cara triste.

Mas nem precisou. Para nossa felicidade (ou infelicidade), não tinha ninguem nas ruas. NINGUEM. Lembra que eu disse que a casa do meu amigo ficava do lado oposto da entrada da nossa torcida?

Então, todo mundo indo para um lado e nós dois para o outro, em plena cidade do RJ, as 2 e meia da matina.

Graças a Deus que Ele é Fiel e chegamos sãos e salvos. Precisavamos dormir, já era 3 e meia da matina e tinhamos que acordar as 5 para ir para o aeroporto. Eu estava pregado.

- Rique?

- Que?

- Tá dormindo?

- Agora não.

- Cara, somos campeões do mundo.

- Tá bom Arthur, mas vamos dormir vai. (cada um na sua cama).

- Tá.

8 segundos depois.

- Não consigo!!!! A gente é campeão do mundo.

- Tá bom, mas dorme.

- Tá.

6 segundos depois.

- Rique.

- humpfpfhm.

- Já dormiu?

- Não, tem um mala que não deixa.

- Foi mal, mas a gente ganhou cara.

- Legal, mas dorme catso.

- tá bom vai, vou dormir.

Passou-se longos 50 segundos, já estava quase no quinto sono...

- Não dá para dormir... A gente é campeão!!!!!

Bem, logo depois "acordamos" e fomos para o aeroporto. Achei que não ia ter ninguém lá, mas ledo engano.

Ao chegar o busto do Santos Dumont estava vestido com o manto sagrado, um monte de Corinthiano dormindo no chão do saguão.

Pensei, nada mais me surpreende. Mas "não contavam com a minha astucia..."

Sabe aquela voz sexy feminina que fica no aeroporto dizendo: atenção senhores passageiros do Voo xyz com destino a...

Então de repente apareceu uma voz embriagada, gritando no microfone:

- É CAMPEÃO P@#$@@$#!!!!! VAI CORINTHIANS!!!! E as 6 da manhã em pleno lobby do aeroporto de Santos Dumont começou a festa de novo.

E ao chegar em São Paulo, com a futura esposa dele indo nos pegar logo pela manhã, não faltou o buzinaço na Av. Paulista, bem como a compra de todos os jornais do Rio e São Paulo (que estão guardados até hoje).

Bem, se você leu tudo isso até o final, de duas uma. Ou você é o Arthur, ou algum familiar meu, ou então estava no Maraca no dia 14 de janeiro de 2000 junto com a gente.

Zeca Lourenço
Enviado por Zeca Lourenço em 08/01/2011
Reeditado em 08/01/2011
Código do texto: T2717442