Serviço completo
Serviço completo
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
O telefone toca insistentemente e Carlos acorre atender.
- Bom dia, Carlos falando!
- Oi, Seu Carlos, tudo bem? Desculpe estar ligando.
- Tudo bem. Quem é?
- Nossa! Já esqueceu?
- Desculpe. Tanta gente...
- O senhor ficou de vir aqui em casa
- Na sua casa?
- Sim.
- Meu Deus. Quem está falando?
- Silvia.
- Silvia?
- Isso. O senhor tratou comigo ontem.
- Minha nossa. Estou ficando meio perdido
- Meio?
- Eu diria inteiramente.
Risos
- Tudo bem, diga lá dona Silvia, o que eu tratei exatamente com a senhora?
- Não se recorda?
- Sinceramente? Não.
- O senhor deve ser muito bom naquilo que faz.
- Modéstia à parte sou mesmo.
- Por isso as mulheres não lhe dão sossego.
- Por certo. (Mais risos) Toda hora o telefone toca.
- Imagino. Por causa dessa sua popularidade acabei ficando na mão.
- Desculpe. Diga exatamente o que foi que marcamos?
- O senhor ficou de vir aqui em casa tapar meu buraquinho.
- Seu... Seu o quê? Buraquinho?
- É. E não veio.
- Que descuido, o meu.
- E como lhe falei, esse buraquinho aberto, escancarado, está me tirando o sono. Não consigo dormir, não me concentro no trabalho, agora dei para ter pesadelos...
- Ah, estou me lembrando. Mas espera ai: a senhora não disse que seu marido...
- Eu sei o que eu disse, seu Carlos. Todavia, meu marido não se incomoda. Não está nem ai para a coisa. Conclusão, o desgraçado do buraquinho continua desguarnecido...
- Que coisa!
- E não sei se o senhor sabe, mas uma mulher em meio a esse enrola-enrola, o buraquinho precisando ser tapado, obstruído, entupido, a coisa pega...
- Entendo. Desculpe ter lhe deixado a ver navios. Repete seu endereço, por gentileza.
- De novo? Já é a segunda vez que lhe passo.
- Desculpe. Vou sair agora mesmo e prometo cuidar desse buraquinho com o carinho que a senhora merece.
- Não acredito. Virá mesmo, com certeza, cuidar do infeliz?
- Sem mais demora. E o material?
- O senhor ficou de trazer.
- OK. Passa por favor, seu endereço.
- Rua dos Prazeres, 1250, apto 703.
- Ummmmmm!... Agora, dona Silvia, caiu a ficha. Lembrei. Seu buraquinho fica no quarto!
- Sim senhor...
- Sob sua cama?
- Não, em cima dela.
- Em cima?
- No teto. Por isso estou subindo pelas paredes.
- Pois bem. Estou indo.
- Agora?
- Só o tempo de pegar o material.
- Mas o senhor já não tem o troço engatilhado?
- Tenho. É só passar a mão...
- Posso esperar então?
- Pode.
- Não vai falhar?
- De forma alguma. Estou saindo agora. Hoje eu cuido desse buraquinho, madame.
- Leva quanto tempo?
- Pra vedar o buraquinho?
- Não, pra chegar aqui.
- Quinze minutos.
- Preciso fazer alguma coisa?
- Deixar a área limpa.
- Já está.
- Perfeito, dona Silvia. Perfeito. Estou a caminho. Pode dizer adeus ao seu buraquinho. Hoje eu encho ele de massa e ponho fim a sua angústia. Tenho certeza que a senhora gostará do meu serviço.
- O senhor também pinta?
- Pinto.
- Meu marido não sei por que cargas d'água deixou a brocha dele do lado de fora.
- Não se preocupe dona Silvia. Aonde eu vou não deixo jamais de levar meu pincel no saco de ferramentas. Até daqui a pouco.
- Até.
Clic.
(*) Aparecido Raimundo de Souza, 57 anos é jornalista.