A evidência da mulher

“A mulher, quanto mais mulher ela é, se defende com unhas e dentes contra todo o tipo de direitos: o estado natural, a eterna guerra entre os sexos lhe dá, de longe, o primeiro lugar...” Nietzsche, in, Ecce homo.

A probabilidade de estar a escrever sobre o tema mais complexo e apaixonante – ou vice e versa – é enorme! O fenômeno que reveste o existir da mulher não poderia ser alvo de uma escrita destinada a um mero ensaio, quando muito, poderia/deveria ser obra de uma vida inteira...

O que permite estas palavras é a forma duplamente fantasmagórica com que encontro o existir de algumas mulheres nos dias atuais – desculpem-me as humanas -, mas, há um ar de mentira a revestir o bailar das mulheres contemporâneas. A elas não podemos mais dedicar os poemas – elas não teriam “saco” para os “excessos” do amor paixão -, casar, e assumir o amor instituição - para além de acabar com o amor por causa da instituição -, nos dias atuais, as mulheres precisam de um belo currículo antes de olharem nos olhos...seria uma lista infinda os exemplos para ilustrarem essa questão, mas voltemos ao ponto da fantasmagoria...

Em um primeiro e romântico momento, usamos o termo fantasmagórico para dizer que a mulher deveria ser ideal, que a cada olhar, a cada gesto, a cada sorriso, se realizasse, e por isso, uma im-possiblidade mesma!, um infinito!, de um existir divino!, irrealizável!, fantasmagórico então!

No entanto, esse ser que é fim em si mesmo deixou-se entreter por uma indústria da beleza e da moda que transformou a mulher em meio – daí o paradoxo fantasmagórico; não reconhecemos mais as mulheres nas mulheres, dentre as várias alegorias podemos escolher: o melhor cirurgião, o melhor estilista, o melhor personal trainer, o melhor salão e a melhor fórmula do “corpo perfeito”, assim, forma-se o que chamei - agora não mais tão romântica e mais crítica - de existência fantasmagórica...

Seria tolice, o querer sentir a pele da mulher amada sem que sua mão esbarre em uma tonelada de maquilagem que cheira a química? – Sartre maravilhosamente nos ensinou que a carícia é “um jeito de moldar a pele do outro”. Nos dias atuais, poderíamos ou mesmo conseguiríamos fazer a mulher se sentir amada sem que isso demande uma performance de atleta olímpico? Seria possível ainda surpreendê-las com uma flor apanhada na casa do vizinho? Ou isso deixou de existir pois as flores enviadas via e-mail são mais belas e nem murcham? E o que dizer das cartas e poemas escritos em guardanapos de bar, - pasmem-se! - transformaram-se em torpedos!Preciso admitir o tom quase austero destes escritos, mas essa necessidade de permitir à mulher a sua realização ontológica de criatura doce e infinita me obriga a tanto!

Assim, o que podemos dizer de um “ritmo musical” que traz em suas letras a transformação da mulher em um meio e extrai daí a banalização de sua existência? Não sei, mas pior ainda é saber as mulheres ouvintes, cantoras e praticantes de determinadas ações entoadas nesses ruídos; por vezes erroneamente nominados músicas...em alguns casos, mais patológicos, as mulheres se tornam animais e até mesmo frutas...

Realmente, soa como um apelo às mulheres que existem mesmo – não às criações fantasmagóricas! – a fantasmagoria que precisamos de vocês é em relação a esse olhar naturalmente terno que permite uma existência menos opaca. Esta não é uma opinião machista, quando me refiro à mulher, não quero apenas mencionar o ser sexuado que desperta os hormônios dos homens; dedico estas palavras à possibilidade que a garota de Ipanema um dia permitiu (“olha que coisa mais linda...”), às anônimas que fazem os homens tanto mais ridículos de amor (“todas as cartas de amor são ridículas...”) - e por isso mais homens!, àquelas que deram a luz e criaram seus filhos (“só as mães são felizes”), àquelas que ergueram grandes empresas, às donas de casa (“todo o dia ela faz tudo sempre igual...”), àquelas que provocaram guerras imensas entre povos (“mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas...”), àquelas que inspiraram poemas (“para uma menina com uma flor”)....

Parece então, que chegamos ao ponto que queríamos, ou seja, o reclame é para que as mulheres se deixem emocionar pelas flores e não achem os poemas pedantes – eles são para e por vocês! – deixem a pele do rosto acompanhar a sua história, assim, não será um fantasma, mas será subliminar sabê-la criadora de toda uma vida e que traz em si as marcas desse existir...

Como seria se todas as mulheres aderissem ao “jeito fantasmagórico”? Faríamos poemas para as mulheres de vinte da mesma forma que para as de trinta, pois, estas últimas querem ser aquelas para sempre e aquelas querem ser cada vez mais estas, mais uma vez o existir fantasmagórico!

Se o amor é algo que criamos em relação à singularidade de cada ser: como amaríamos, se as mulheres do tipo fantasmagórico têm todas o mesmo cabelo, os seios enrijecidos, a pele bronzeada mesmo no inverno e o rosto colorido por maquilagens diversas..? Seria então, um amor em massa? Jorge Luís Borges - mesmo que em outro contexto - escreveu no prólogo de seu Elogio da Sombra: “neste mundo a beleza é o comum...”

A singularidade da mulher se esvai nos tipos prontos que as revistas de fantasmas trazem a cada edição...criam-se fantasmas a cada mês/semana/dia, pelo menos temos que admitir a criatividade dessas pessoas!

Paro por aqui, para não ficar mais pedante e “demodê”; mas, que as mulheres reconheçam! – enquanto perdem a sua singularidade perdem-se a si mesmas. Quando perdem sua leveza, deixam de ser apaixonantes e inesquecíveis. Se por acaso rejeitam o rótulo de frágil, é porquê não entenderam ainda, que a fragilidade da mulher está em se deixar tocar pelo gesto mais sutil e absorvê-lo com a graça que os homens em sua rigidez nunca alcançariam. Como disse, não é nunca uma ode às Amélias, longe disso! O imperativo é que as mulheres se permitam...ou seja, realizem sua existência plenamente sendo o que a elas cabe ser: ideais inalcançavelmente fantasmagóricos para que sejam cada vez mais infinitas e divinas a realizar o belo no mundo...para isso, não precisam estar em evidência, necessitam apenas existir!

Bernardo Gomes Barbosa Nogueira
Enviado por Bernardo Gomes Barbosa Nogueira em 08/01/2011
Código do texto: T2716194