OPINIÃO

MUTUCA


Há alguns pequenos, porém intensos, meses morando em uma cidadezinha litorânea deste abençoado Espírito Santo, que ocupa os 3º e 4º lugares no peito e nos ombros dos católicos, de tudo fiz para que o Sinal da Cruz levasse para longe de mim um inseto que reina absoluto na região.
Trata-se de uma mosca conhecida por Mutuca, pseudônimo não muito bonito que o brasileiro inventivo  lhe conferiu, porém justíssimo.

Meus primeiros dias de convívio com a sanguinária foram, literalmente, um desastre biológico, e quanto mais eu pensava haver conseguido livrar-me da danada, mais sofria com a coceira e a dor que sua "pousada" em minha pele causavam.
Foram pomadas de laboratórios vários, álcool, chá de não sei o quê, unguentos, repelentes preventivos - e nada.
O prejuizo ficou por conta de um dermatologista incumbido de recuperar as tatuagens não artísticas que restaram pele afora. Um horror.

Mas enquanto isso, eu que tenho esse espírito pesquisador, e com as facilidades que a Internet oferece, dei-me a conhecer melhor esse inseto.
Fiquei horrorizada ao saber que ao lado dos pernilongos e moriçocas, as Mutucas são o próprio Inferno de asas.
Fiquei sabendo, também, para espanto meu, que os machos alimentam-se de pólen das flores, as larvas são carnívoras e as fêmeas são hematófagas. E quanto mais sangue nos roubam, mais felizes voam. E vivem.  

As Mutucas são vampirescas e é triste, mais uma vez, conhecer outro e mais um  bicho, além do bicho humano, que a fêmea é sempre a malvada da espécie. Os românticos machos, ora vejam, alimentam-se de pólen ! Que vergonha para o feminino... 

Nesse quadro em que tenho dedicado estudos e entrevistas com moradores nativos, hoje, finalmente, consegui abater uma ainda viva, antes que ela se encostasse em mim - isso com um poderoso produto existente no mercado e que eu não conhecia. A embalagem é em spary - então peguei o monstro ainda no ar, voando na varanda. Ela rodopiou, rodopiou, fez pressão, me desafiou, ficou quietinha, fingiu-se de morta, reanimou, novamente ensaiou levantar-se do chão, tentando mostrar seu poder de destruição.
Quase pude ouvi-la espraguejar-me, mas não houve jeito - foi a óbito. 

Deitada na rede, observei seu desespero por ter sido vencida.
Revi todas as cenas em que dela fui vítima, todos os esforços que empreendi para convencê-la a voltar para seu habitat natural, uma lagoa não muito perto, mas não tão longe que ela não pudesse voar até lá, conhecedora que é dos caminhos do seu lar doce lar. 
Pois bem, quis morrer. Procurou a morte. Mais precisamente, julgou-se invencível. 

Fui à cozinha pegar um café e concluí: assim são todos os super-heróis do mal e um dia, quando menos esperam, surge algo mais poderoso que eles e adeus super-força.
Porque a defesa é um contra-ataque de resultados desconhecidos para bichos com ou sem asas.

Viu só, caríssima?




Miriam Dutra
Enviado por Miriam Dutra em 06/01/2011
Reeditado em 07/01/2011
Código do texto: T2713578
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