SINAIS DOS TEMPOS
SINAIS DOS TEMPOS
“Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor
Muitos rocks rurais.”
Zé Rodrix & Tavito in “Casa no Campo”
Gosto muito de comerciais, não dos apelativos, nem dos inócuos, mas daqueles inteligentes, bem-elaborados, sofisticados em sua simplicidade. Aliás, na miséria que anda a programação de TV e na impossibilidade de ter uma assinatura de TV fechada, os comerciais são a salvação para se assistir algo que preste na telinha.
Guardo na memória o ano de 1988, quando algumas propagandas televisivas foram memoráveis, como a das Casas Pernambucanas (antes da concordata), que colocaram “O Barquinho” da dupla dinâmica Bôscoli/Menescal em 3 ou 4 idiomas; era o máximo ouvir aquela bossa-nova em uma língua estrangeira, com todas as síncopes e pausas. Simples e sofisticadíssimo. A C&A atacou com uma seqüência de imagens bem lentas, como um videoclipe às avessas, e no fundo “California Dreaming” dos Mammas & The Papas, mas na voz da brasileiríssima Rosamaria. Fantástico.
Propagandas bem-feitas são raríssimas e comerciais babacas temos aos quilos, mas todos eles rezam na mesma cartilha: o público-alvo. Temos que saber quem vamos conquistar, mostrar a essa parcela da população quem somos e o que temos a oferecer. Qualquer pessoa com um mínimo de informação sabe do que estou falando. Por isso me incomodo com as propagandas voltadas para o público adolescente contemporâneo. “Incomodo-me” é o termo corretíssimo, pois vejo uma mudança de ares já há algum tempo na linguagem usada para alcançar estes jovenzinhos. Quando eu era adolescente, e isso não faz tanto tempo assim, lembro-me bem da forma como as propagandas se apresentavam: gente sorrindo, pessoas consumindo os produtos com ares francos de felicidade no rosto. Eram corriqueiros, nos comerciais, lugares-comuns como praias, bosques, rios; mas o que mais me chamava a atenção era a cordialidade e a amizade, cenas que mostravam o começo do amor e a inflamabilidade das paixões juvenis; como o comercial da loja Bunny’s (que nem sei se ainda existe) com a música “Mandy”, interpretada pelo já esquecido Barry Manilow. Inesquecível. Pena que depois fizeram uma versão em português mais-que-horrorosa.
Em contraste com estes tempos que não voltam mais, o que percebo nesta última metade de década é a proliferação de propagandas que mostram um adolescente “melhor que os demais”, com a postura agressiva e a cara de quem está dizendo: “vai encarar”? São os neo-bad-boys, filhos do videogames, paridos não em maternidades, mas em modems de computador. Os comerciais que estão no ar, sejam de achocolatados, de roupas ou mesmo de escolas de idiomas mostram adolescentes que agridem com seus olhares e posturas, mostrando desdém com o modus vivendi dos seus pais, professores e até mesmo (pasmem!), colegas de mesma idade e experiência de vida. E o pior de tudo: transportam isso para a escola que freqüentam, trazendo este comportamento repressor para dentro das salas de aula.
Muitos, é verdade, são aqueles malandros de fachada, que fazem e acontecem na escola, mas em casa pedem ”bença” pai, “bença” mãe. Mas outros vivem uma realidade fantástica, na qual a novelinha das cinco e meia passa a ser seu estilo de vida, esquecendo-se que a favela onde vivem não é a zona sul carioca. Não lamento apenas a mudança de postura dos jovens, mas a necessidade de estarem em constante confronto com as instituições, brigando não por liberdade, mas por anarquia.
Esquecem-se de que a educação é um caminho que pode não lhes abrir muitas portas, mas, sem elas, todas estas portas serão substituídas por muros intransponíveis: para se trabalhar na empresa paulista que coleta esgoto, na função de “serviços gerais” (leia-se, do edital: limpeza de fossas e bocas-de-lobo), exige-se, ao menos, ensino médio completo. Nada contra esta profissão, essencial para o abastecimento de água, mas, quem, sinceramente, deseja isto como projeto de vida?
Não quero que exista uma multidão de “bobões” nos corredores; o homem é fruto do seu meio e não estamos mais naqueles anos de 1980, ainda vivendo uma espécie de utopia em um socialismo que já dava seus estertores, mas a guinada neoliberal à qual o mundo foi imposto trouxe estes novos códigos de convivência entre os adolescentes: mais importante é ter do que ser, e perdemos a chance de filosofar com eles sobre as coisas boas da vida em função da marca de tênis que eles adoram ou o relógio, ou qualquer outra tranqueira que a mídia queira impor sobre suas miseráveis vidas.
Já faz tempo que a molecada não quer casa no campo e compor músicas ao aroma de cocô de vaca: o negócio é ser “street” e “hardcore”.
Falou e disse.