Diabo ou...!?
O inicio desta crônica precisa contar um pouco sobre as esquisitices do seu personagem central: Jairson um moço tímido que sai de uma cidade provinciana do interior paulista para cursar uma faculdade na capital.
Caipira para se ambientar numa metrópole vai pedir arrego em casa de parente. Para Jairson não podia ser diferente. Vai morar no Alto da Lapa na casa dos tios. O trânsito de São Paulo o assusta. Buzinas se fazem ouvir com insistência. Pedestres correm de um lado para o outro. Atravessam em lugares proibidos arriscando as suas vidas. O moço encontra dificuldades em se adaptar. E, além do mais os pesadelos com a cidade grande o atormentam durante as poucas horas de sono. Um sonho o persegue todas as noites, o de se ver ensangüentado caído no asfalto!
Seu tio Bepe construiu a gráfica em frente à sua casa. As construções amplas e as instalações modernas viabilizam a qualidade dos seus impressos. Trabalho é que não falta naqueles idos da década de 60.
Jairson é pouco visto pela família, pois fica muito tempo na universidade. Acadêmico aplicado faz da biblioteca da instituição o seu segundo lar. Poucos podem dizer que ouviram ou ouvem a sua voz. O silêncio o acompanha por inteiro.
Na casa de seus familiares não poderia ser diferente. Sua tia Aurora sofre de deficiência auditiva; o que explica, ainda mais, a pouca conversa do rapaz! Aurora não possui predicados para a culinária; faz o básico do básico na cozinha. Jairson, como seu tio Bepe, descende de família de italianos, bons gourmets, a experiência com a boa comida sempre os acompanhou. Mas, agora... arroz, feijão e ovo é o cardápio de todos os dias da semana. Fácil e prático arremeta a sua tia, enquanto, prepara o jantar.
Segundo semestre da faculdade; o jovem brilha com as melhores notas. A felicidade podia ser completa se sua tia colaborasse. O acadêmico emagrecia a olhos vistos. Seu tio Bepe, um dia reclama da comida. Pede para a mulher diversificar o cardápio. Aurora sente o impacto da ingratidão e chora muito.
Espera um pouco, in-gra-ti-dão!? Para ela todos são ingratos. Fica muitos dias com enxaqueca, fechada no quarto. Bepe para não passar fome frita ovos para todos.
Sábado, logo de manhã, tia Aurora com um indescritível bom humor pede opinião para a renovação do cardápio. Cada um sugere novos pratos. Um garfo cai no pé de Jairson. A dor o faz gritar:
_ Diabo, diabo, diabo...
A tia chega da feira livre. Todos esperam ansiosos pelas variedades sugeridas.
Almoço de domingo. Todos se fartam com o prato do dia. A tia faz questão de frisar; a maior parte será de Jairson pela sugestão.
Sugestão!? Ele não se lembrava de ter sugerido algo!
A tia, então, coloca toda a sobra no prato do sobrinho.
“Coma tudo meu filho. Fiz a seu pedido.”
“Quiabo? Não gosto de quiabo!”
Na sua surdez, Aurora fala, prazerosa:
“Você gritou: ”Quiabo, quiabo, quiabo...” E, eu o preparei assim: cheio de baba, só para você! ””