A tradição de «Cantar as Janeiras» ainda se mantém viva em Portugal
Esta noite, em minha casa, tive a felicidade de ver a tradição das Janeiras ser cumprida neste ano de 2011.
Por volta das 21 horas, estava em casa com a família e comecámos a ouvir, ao longe, com alguns intervalos, o “cantar as Janeiras” que se fazia pelas ruas, de porta em porta. O som das vozes, das concertinas, dos ferrinhos, do tambor e das guitarras aproximava-se cada vez mais da nossa casa e, pelo som, dava até para saber em que ponto da vizinhança vinha o grupo de cantantes.
Quando o grupo de 12 janeireiros chegou jundo do portão de nossa casa, os cantares repetiam os mesmos versos que já conhecíamos de anos anteriores, e que dentro de casa, ouvimos em silêncio, tendo tido o cuidade de acender, previamente, as luzes no exterior da casa, nomeadamente nas varandas, escadas e junto do portão, como que a dar as boas vindas ao grupo.
Cantaram e encantaram! Algumas crianças estavam trajadas a rigor, com roupas típicas dos ranchos folclóricos - pescadores, agricultores, pastores, varinas - o que sempre é muito agradável de ver.
Foi um momento mágico quando abrimos a porta e vimos todos aqueles rostos sorridentes a olhar para nós. Aos mais pequenos, como é tradição, logo ali, na rua, demos guloseimas, bombons, chocolates, enfim, os doces que tínhamos em casa. A todos, cantores e músicos convidamos a entrar. Todos entraram na grande cozinha, que se fez pequena para receber os inesperados convidados e todos se sentaram. Uns em volta da lareira, outros em volta da mesa. Comeu-se "as sobras das festas": bolos, rabanadas, linguiça, paio, bom pão e bebeu-se bom vinho tinto maduro.
E como já diz o ditado popular, “merenda comida, companhia desfeita”, o grupo de cantantes saiu e foi “apregoar em outra freguesia”.
Foi muito bom poder assistir de um maravilhoso momento como este. Até ao próximo ano, queridos janeireiros, quando voltar a visitar a nossa terra! Amanhã regressarei à minha segunda pátria, verde e amarelo são suas cores. Mas a bandeira vermelha e verde estará sempre no meu coração.
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"As Janeiras”, “Cantar as Janeiras” ou “Cantar os Reis” é uma tradição antiquíssima que é recriada anualmente em quase todas as aldeias, vilas e cidades portuguesas, especialmente em Trás-os-Montes e nas Beiras, com início no dia 1 de janeiro e término no dia 6, dia de Reis.
Consiste no cantar de músicas por grupos de pessoas desejando um feliz ano novo. Esses grupos vão pelas ruas, de porta em porta, cantando e pedindo aos residentes as sobras das festas natalícias ou natalinas. Hoje em dia, essas "sobras" traduzem-se muitas vezes em dinheiro.
Este tipo de tradição é um momento de convívio anual, reunindo à noite dezenas, às vezes centenas, de participantes em cada grupo. Cantar, dançar e celebrar o novo ano são as palavras de ordem num percurso que passa por todas as ruas da terra.
As pessoas visitadas são, normalmente, muito receptivas aos cantores. Os janeireiros, em bonitos versos alusivos à quadra, cantam assim
CANTAR AS JANEIRAS
Boas noites, meus senhores,
Boas noites queremos dar,
Vimos pedir as Janeiras,
Se no-las quiserem dar.
Inda agora aqui cheguei,
pus o pé nesta escada,
logo o meu coração disse,
que aqui mora gente honrada
Vamos cantar os reis,
nesta noite de janeiro,
certo é que nos quereis dar,
a linguiça do fumeiro.
Quem tem a candeia acesa
está dentro de casa concerteza
com rabanadas, pão e vinho novo
matais a fome à pobreza
Nós não vimos pelas Janeiras
nós Janeiras já trazemos
vimos pelas obrigações
que a esta casa devemos.
De quem é aquele chapéu
que além está dependurado
é do dono desta casa
que é bonito como um cravo.
Viva lá senhor... (o nome do dono da casa)
usa o seu chapéu direito
quando vai pela rua fora
todos lhe guardam respeito.
Viva lá senhora... (o nome da dona da casa)
raminho de salsa crua
quando chega à janela
nasce o sol e põe-se a lua.
Viva lá menina... (o nome de uma menina da casa)
sua face é como romã
seus olhos são mais galantes
do que a estrela da manhã.
As Janeiras são cantadas
do natal até aos reis
olhai lá por vossa casa
se há coisa que nos deis.
Se no-la quereis dar,
fazei-o já a seguir,
que somos de longe terra
temos pressa em partir.
(Se ouvem passos, cantam sem mais demora:)
Alegrai-vos companheiros
Que eu já sinto gente a andar
É a senhora desta casa
Que nos vem a convidar.
(Se a dona da casa corresponder, agradecem, desde logo, cantando:)
Ó que estrela tão brilhante
que vem dos lados do norte
à família desta casa
Deus lhe dê uma boa sorte.
Mas sempre houve e haverá alguém mais "carrancudo" que não recebe bem os janeireiros. E também há os que não abrem a porta. A esses, cantam-lhe uma quadra mais ou menos assim:
Trinca martelo
Torna a trincar
Este barbas de chibo
Não tem nada para nos dar!
Ana Flor do Lácio (04/01/2011)