Ela estava em pé ali no fundo do vagão.
Ele tinha entrado e sentou-se num banco em frente,
não muito longe, com a mochila pousada no colo,
de onde tirara um livro de capa verde.
Abriu onde estava o marcador de páginas e lia absorto.
Ela o viu e ele não via ninguém ao redor, lia.
Quando muito, desviava os olhos para a janela,
para ver em que estação estava, mas não precisava.
Ao lado dela como que um pretendente, quase namorado,
ou coisa que o valha,
beijou-lhe o rosto numa carícia despreocupada
que ela nem ao menos notou ou não deu importância.
Olhava para ele, pensava ir lá, hesitou, ficou no lugar.
Mas não tirava os olhos dele.
Leu na capa, era uma antologia de Drummond.
Ali estava o poeta que ela amara, ama, amou, vai saber.
Confusões de sentimentos em encontros inesperados.
Nem era seu namorado, uma tentativa e ela ainda arredia,
nem sabia o que lhe ia no coração que agora palpitava
estranhamente pelo inesperado do encontro.
E agora? Amava ou não amava ele? Se não, por que...
Ele como os olhos no livro como quem olha o infinito.
Ela a olhar para ele a querer perder-se no infinito do olhar.
O dele e o dela num reencontro esperado no inesperado.
Ele sorriu suavemente, devia ser um verso que o tocara.
Fechou o livro e o guardou na mochila, olhou a janela.
Um olhar tão para fora de si mesmo que deixava ela fora.
Certeza de que não a viu, não viu e nem olhou, absorto.
Ele se postou à porta. “Estação Tal e Qual”
Desceu com a mochila às costas, os passos certeiros de sempre.
Subiu pelas escadas sem olhar para trás ou para os lados.
Desapareceu do olhar dela enquanto as portas se fechavam.
O trem partiu e os olhos delas num estranho infinito,
a se indefinir ou no tempo ou no espaço.
Imaginava ele agora caminhar vagarosamente no parque,
a entregar a cada árvore o devido olhar e buscar nos bolsos a chave.
Imaginou ele abrindo a porta do prédio, olhando a correspondência,
abrindo a porta do apartamento, jogando a mochila no sofá,
e o gato a seguir seus passos como que num ritual diário.
Ele limpando a caixa de areia, pondo água e comida,
senta-se na poltrona num descanso como que eterno.
E deita tudo num poema dentre tantos já rascunhados.
Mostra o poema à filha que lhe pergunta se isso aconteceu.
Ele diz que sim, que aconteceu e a filha lhe pergunta como.
Aqui dentro, aconteceu bem aqui dentro...
E ele bate o indicador duas vezes na própria testa,
dizendo que tudo acontece bem aqui dentro...
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 05/01/2011
Reeditado em 29/07/2021
Código do texto: T2709769
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