Eles, os chatos


    Muitos chatos, alguns de galocha, encontro, diariamente, nos meus caminhos. 
    Ainda não descobri como enxotá-los sem constrangê-los; sem magoá-los.  
    Venho tolerando-os com a paciência e a resignação de um fiel filho de São Bruno, ou seja, de um piedoso Cartuxa.
    Outro dia, inventei de comprar o Tratado Geral dos Chatos, livro de um falecido escritor brasileiro. 
     Poderia, pensei, aprender como evitar os chatos sem, como afirmei, sensibilizá-los.  
     Achei o livro um porre; tão chato, que decidi esquecê-lo. No momento, ele jaz num lugar incerto do meu gabinete; ou na estante mais distante dos meus cansados olhos.
     Frequentador assíduo de livrarias, não devia, pois, comprar livros maçantes.  
     Adquiro-os, às vezes, atraído pelos seus títulos que, de súbito, surgem irresistíveis. Quando caio na real, não aguento ler, sequer, seus prefácios.
     Mas não estou aqui para perder tempo falando sobre livros cacetes. Compra-os quem quer. Eles não têm culpa de existirem. A culpa (?) é de quem os escreveu. 
      E nem me demorarei escrevendo sobre os pedículos púbis, aqueles minúsculos chatos que aos mais jovens costumam agredir, invadindo-lhes a região pubiana. 
     Minha página é sobre o chato de carne e osso. Tenho na conta de chatos, entre outros, quem me telefona alta hora da noite, para contar uma piada; quem conversa aplicando-me tapinhas nas costas; o interlocutor que fala aspergindo-me a cara com saliva; quem faz discursos ou sermões longos e vazios; paraninfos de Orações intermináveis, enfadonhas e sem lógica; e pessoas de exagerada  incontinência verbal .
    Também chamo de chatos os beberrões inconvenientes.  Seriam os "chatos etílicos", na classificação elaborada pelo escritor Guilherme Figueiredo de Oliveira, autor do Tratado Geral dos Chatos. Vejam que eu disse beberrões inconvenientes.
   Sim, porque há alcoolômanos, ou simplesmente cachaceiros, de convívência agradabilíssima: são inteligentes e lúdicos, até a última dose.
    Mas por que me deu na telha escrever sobre os chatos?  Malhá-los, por quê? Não seria melhor deixá-los em paz? 
    Por esta simplória crônica - que, com certeza, por muitos leitores será considerada uma monstruosa chatice - responsabilizem o saudoso cronista das alterosas Paulo Mendes Campos. E digo por quê.
    Antes, porém, algumas linhas, que não são minhas, sobre esse formidável mineiro. Ao lado de Fernando Sabino ele contaminou de graça e beleza a literatura pátria.  
     Para Affonso Romano de Sant´Anna, outro das alterosas, nos textos de Paulo Mendes Campos "existe um certo clima...que não se encontra mais na crônica brasileira".
    E mais adiante: "Eu diria uma quase ingenuidade, uma lembrança do país provinciano e delicado, que falava em pássaro, futebol, de estorinhas nos bares e onde os casos de roubo eram pitorescos e não sanguinolentos como os de hoje."
    Pois bem, em uma de suas crônicas, Paulo Mendes Campos fala de um tal engenheiro, quase quarentão, "todo cheio de efes, fraco, feio, fanhoso", chamado Ernestinho.  
   Até por seus amigos mais chegados o Dr. Ernestinho era qualificado como "o sujeito mais chato do Brasil".
     Ressalta Paulo Mendes, que o Ernestinho, além de outros defeitos, cultivava uma constrangedora especialidade: "fazer visitas formais, prolongadas, técnicas, inoportunas, irremediáveis".
     Fechando sua prosa, conta, que uma cliente do Ernestinho, de saco cheio com uma demorada e intolerável visita que o engenheiro lhe fazia, arremessou-lhe meia dúzia de desaforos, e dele se  livrou aplicando-lhe uma solene sova!
     Não aconselharia, claro, a prática de tamanha violência. Mas que dá vontade de desferir boas chineladas em certos "Ernestinhos" que nos visitam, dá. Quem disser o contrário, estará mentindo.  Ou, então, adora os chatos; ou é um deles...

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 22/10/2006
Reeditado em 05/11/2020
Código do texto: T270930
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