DOIS COPOS
Vai fazer um ano que não coloco uma gota sequer de álcool na boca. Não por minha vontade própria, mas por recomendações médicas. E não que eu nutrisse algum vício nisso, longe de mim, mas apreciava, vez ou outra, numa ocasião especial, ou fazendo a faxina do apartamento, ou pensando na vida ao som de um boa música, permitia a mim mesma sentir a dormência e a confusão dos pensamentos que o quarto copo me causava.
Sabia até uns versinhos decorados de sonetos simpáticos que afloravam depois do quarto copo. E embora esse líquido cor de ouro me tranquilizasse, também fazia engordar, mesmo sendo eu uma adepta da escolha: ou digere ou engole.
O fato de não fugir da inevitável fermentação e o conseqüente inchaço, que se parece com gorduras localizadas para quem não larga o líquido amarelo, era esse o meu real motivo de moderar e fazer dele esporádico: só em situações especiais.
Hoje estava escutando um grupo de pé de serra pelas caixinhas do computador. Lembrei de um domingo que estávamos no Francês. A festa tinha começado no sábado a tarde, com violão, batuque e risadas. Chegara o domingo e restava um garrafão de vinho tinto daqueles baratos. A gente almoçou e foi para a areia. Lá, fizemos um círculo e começamos a cantar e tocar. No alto, o sol sobre nossas cabeças testemunhava. Quando chegou um violeiro e pediu para tocar forró. A gente avisou que ninguém tinha dinheiro, a maioria desempregado e quando muito, estagiários. Mesmo assim ele tocou. Como bons meninos de 19, 20 anos, cantamos junto, sugerimos música e no final demos um copo de vinho e R$ 5,00 de pagamento ao cantador.
Hoje eu teria vergonha de fazer isso, mas à época, acho que o cantador até gostou. A gente pagou com vinho. Aí lembrei do gosto do vinho, da cerveja, o gostinho de se sentir adulto, se é que pra ser adulto tem que beber. Mas me sentia assim. Estava longe de casa, noutro município, com meu namorado do meu ladinho cantando junto, minha irmã e uma amiga de longas datas engrossando o coro, colegas da faculdade que tínhamos acabado de conhecer, um violeiro tocando Luiz Gonzaga que eu sabia todas as músicas de cor, e depois, um copo de vinho que sobrara da festa de ontem.
Minha endócrino me proibiu, por ora, de tomar qualquer tipo de álcool, mesmo que fosse reveión ou carnaval. Até uma segunda ordem, nada.
Daqui a alguns meses farei um ano. Sem traumas, tranqüilo. Na verdade eu me lembro pouco, substituí pela Coca-Cola.
Na quarta passada, dia sete, foi meu aniversário, e da terça para a quarta sonhei tomando dois copos de cerveja. Talvez porque aniversário lembre felicidade, comemoração, não sei, só sei que acordei com gosto de cevada na boca e uma certeza que apesar de toda boa lembrança, estou muito bem assim, só no refrigerante.
M. Sofia
Julho/2010