ESTRELANDO....

Certo dia, passeava em companhia de outros meninos pela beira do cais de Areia Branca, minha cidade natal, quando de repente chega um colega chorando. Perguntei-lhe o que havia acontecido e ele me responde que outro menino chamado Baraúna, havia lhe dado um cocorote.

Na minha infância, a rua era o maior campo de divertimento que tínhamos e onde boa parte de nós nos divertíamos. Claro, existiam aqueles colegas que por zelo ou mesmo excesso de proteção dos pais ou por seletividade social, passavam a maior parte do tempo presos em suas residências ou restritos à curta vizinhança de suas casas.

De minha parte, haviam os compromissos da escola e os deveres de casa relativos às tarefas designadas pelos professores. Cumprido esses afazeres, para dor de cabeça de minha mãe, gostava mesmo era de ficar na rua aproveitando os divertimentos que ela oferecia, sendo que a maior parte deles encontrava-se na rua da frente, que chamávamos rua da maré.

Dado o pequeno porte da nossa cidade, haviam uns poucos que poderíamos chamar de ricos, para os padrões da sociedade da época, vários pobres e uma imensa classe média, se quisermos dividir assim.

Morávamos na rua Silva Jardim, que nesse contexto, inseria-se na classe média da cidade.

Fernando, esse colega que estava chorando devido ao cocorote de Baraúna, morava na nossa rua, e que por imposição familiar, para ter acesso ás ruas, normalmente fazia-o pulando a janela, aproveitando algum descuido de seus progenitores.

Já Baraúna, poderíamos dizer pertencia à classe pobre da cidade e por alguma regra que não sei explicar, quanto mais pobre a criança, mais liberdade tinham de freqüentar as ruas e consequentemente muito cedo aprendiam a se defender das agressões que as ruas ofereciam, e por vezes tornavam-se também mais agressivos.

Talvez por algum instinto de proteção ou demonstração de bravura, resolvi tomar as dores do meu colega e dirigi-me à Baraúna para tomar satisfação quanto a agressão imposta ao meu colega e desafiei-lhe para uma briga.

Inspirado nos astros do bang-bang que me acostumara a assistir na telas do cinema Miramar ou do Cine São Raimundo, postei-me de punhos fechados em uma posição que invejaria Roy Rogeres, e, antes mesmo de concluir os trejeitos da posição cinematográfica que pretendia postar-me, Baraúna deu-me um mãozada no pé do ouvido que, creiam-me, é possível ver estrelas à luz do dia.

Foi o espetáculo estelar mais impressionante que pude observar, e, pasmem, estava acompanhada de uma imensa orquestra que só Deus sabe de onde vinha.

Acredito que quando Jesus disse para ofertar a outra face, certamente Ele estava excluindo, de sua mensagem, o bofete de Baraúna. De outra forma, estaria incitando ao outro a descumprir o terceiro mandamento de Moisés, que postulava: “Não matarás”.

Por graça e providência do Divino, algumas pessoas seguraram Baraúna de um lado e eu do outro, com o intuito de desapartar a briga que mal se iniciara.

Ainda meio zonzo, mas ainda com fôlego para demonstrar alguma bravura, até mesmo para não passar vergonha em meio aos colegas, esbravejei colérico: “Me soltem, me soltem!”. Graças a Deus ninguém me deu ouvidos.

(1) Cocorote – espécie de peteleco dado com a mão fechada na cabeça de outrem.

(2) Roy Rogeres – Astro de Bang-bang da época.

Chico Alves dMaria
Enviado por Chico Alves dMaria em 03/01/2011
Reeditado em 03/01/2011
Código do texto: T2707072