O MUNDO É ISTO
Ao reler Padre Manuel Bernardes deparei com brilhante sermão, que muito me impressionou. Obra-prima, de elevado valor, que retrata, de modo exacto, a vida.
Ei-lo, na passagem mais interessante:
“(…) Aqueles cantam, dali a pouco choram; estoutros choram, daqui a pouco cantam; aqui se está enfeitando um vivo, parede-meia estão amortalhando um defunto; aqui contratam, acolá destratam; aqui conversam, acolá brigam; aqui estão à mesa, rindo e fartando-se; acolá estão no leito gemendo os que riram; e sangrando-se do que comeram…Lá vai um, nu e descalço. E que turba-multe é aquilo que vai cobrindo os campos de armas e carruagens? É um exército que vai, a uma de duas cousas, ou a morrer ou a matar. E sobre quê? Sobre que dous palmos de terra são de cá, e não de lá. E que árvores são aquelas que vão voando pelas ondas com asas de pano? São navios, que vão buscar muito longe que pique a língua para comer mais, cousas que afaguem a pele, cousas que alegrem os olhos, isto é, espécies, sedas, ouro, etc.”
“Olhai o trafico! Tudo ferve, tudo se muda por instantes, dali a nada tudo achareis virado. O rico já é pobre, o mecânico já é fidalgo, o moço, já é velho, o são já é enfermo e o homem já é cinzas. Já são outras as cidades, outras ruas, outras linguagens, outros trajos, outras leis, outros homens…Tudo passa!”
Tudo passa, como águas do rio que andam em constante movimento. Não há muitos anos - penso eu, - era menino, e ia para a escola de babeiro. Tinha quimeras, sonhos que não consegui concretizar; decorrido décadas – que passaram galopando, – vejo-me envelhecido, no Outono da vida.
Verdade é que sinto, dentro de mim, o menino que fui; morreu para o mundo, mas revive invisível neste corpo envelhecido; com ele, amores e desamores, alegrias e infortúnios, sucessos e desilusões.
A vida humana é curta, mas mais curta é a memória do homem. Quem se lembra de famosos actores, homens de sucesso do primórdio do século XX?
Quem recorda Justino Nobre Faria, um dos nossos actores dramáticos mais digno – segundo Silva Pinto, – que foi carregador, no Brasil, após haver conhecido o aplauso de plateias cultas?
E do Professor Franco, que levou para o Brasil o Método de Leitura de João de Deus, e faleceu pobre e enxovalhado pelos brasileiros?
E o célebre pianista Artur Napoleão, que brilhou nas salas europeias e faleceu quase esquecido no Rio de Janeiro?
Tudo passa, tudo se modifica. Alguém comparou a vida aos alcatruzes da nora: uns sobem, outros descem.
Uns nascem na miséria. Passam privações, fome, vexames e tornam-se, decorridos anos, políticos influentes e indústriais prestigiosos; outros, infelizmente, seguem caminho inverso.
Mas pobres, ricos, analfabetos e intelectuais, terminam como bem disse José Maria Escrivá, no “ Caminho”: “ Dentro de poucos anos, dias - serão um manto de podridão hediondo: vermes, humores mal cheirosos…, e ninguém na terra se lembrará de ti.”
Ninguém se lembrará de ti, porque a vida continuou. Poderás ficar sepultado na memória de familiares e amigos…mas até eles desaparecerem também.
O mundo é isto!