CRÔNICA #048 - O SONHO MAIS UMA VEZ ABORTADO
Certo homem, às vésperas de seu sexagésimo aniversário, vai com seus filhos a New Mission, o vilarejo onde nascera. Era um lugar que guardava agradáveis recordações.
Mentalmente revive suas aventuras de criança. Ali ele passara sua infância. A casa dos seus avós onde passava suas férias ficava no topo de um monte. Era uma vista fascinante. Podíamos ver o canavial lá embaixo, o engenho de cana, a Vila Otherside do lado oposto do canavial, tendo como pano de fundo a colina do Tabuleiro. O céu de julho, quase sem nuvem, exibia um azul celeste intenso, característico do inverno do hemisfério sul, visto que nesta estação do ano, a Terra estava no seu ponto de máxima distância do sol. O clima tropical oferecia a todos uma brisa agradável, com temperatura variando entre 16 a 23°C.
Aquele senhor contava a seus filhos sobre sua infância que ali vivera. As brincadeiras, o corte da cana, a moagem, o fabrico do melaço e rapadura. Falava com tanta euforia que dava para visualizar mentalmente cada detalhe que ele descrevia. Passava a ideia de que ele era uma pessoa totalmente realizada. Então, Moisés pergunta ao velho:
_ “E aí, pai? Até agora só tenho ouvido coisas boas e realizações bem sucedidas. Mas, será que não não ficou nenhuma frustração, umazinha, se quer? Algo que o senhor quis fazer mas nunca pode?”
_ “Só uma coisa. Tem sim algo que sempre tive vontade de fazer, mas minha mãe nunca me deixou. Isso me deixou muito frustrado. Mas isso já passou e não tem mais importância”.
Os meninos insistiram tanto em saber o que era, que o velho homem os chamou e disse: “Vamos lá embaixo que eu vou lhes mostrar.” Então desceram rumo ao engenho que era de fogo morto. Até pensaram que era algo relacionado a este, mas passaram e continuaram descendo até um morro encarvoado, pois nele era despejado o borralho da fornalha do engenho. Dali, daquele morro, avistava-se um lugar belo e agradável. Havia uma rampa natural onde a garotada deslizava sentada até cair numa pequena lagoa. “Taí minha frustração! Minha mãe nunca me deixou curtir esse 'sledding' ”.
Então o Israel teve a brilhante ideia de irem até o topo da rampa e encorajaram o seu velho pai a fazer o mesmo e, ainda que tardiamente, realizar o seu velho e reprimido sonho. Depois de muito relutar, empregando as mais tolas desculpas, cedeu ao apelo dos filhos.
_ “Está bem, filhos! Vocês venceram, Vamos lá e seja o que Deus quiser!”.
_ “Aeh! Muito bem, pai! É assim que se fala!” _ diz a Débora, tentando agradar e dar força ao velho.
Seo Pedro João tenta subir a duna que dá acesso à rampa, ansioso para realizar o sonho e dar adeus ao recalque de a décadas. Era engraçado vê-lo ofegante e esforçando-se para subir aquele montão de areia, com a língua de fora, escorregando e recomeçando novamente até chegar ao topo onde já o esperavam seus filhos que lhe deram as mãos para o ajudar a concluir a heroica escalada.
_ “Muito bem, pai! Estamos orgulhosos de você!” _ Falou o Moisés enquanto dava um tapinha nas coisa de Seo Pedro João. “É isso, pai! Estamos muito orgulhosos!” concordaram Israel e Débora.
Então, Seo Pedro João sentou-se no topo da rampa e quando os meninos iam dar um empurrãozinho para impulsionar a descida, surgem três jovens drogados e mal humorados, com caras de poucos amigos.
_ “O que estão fazendo aqui no nosso pedaço? O que esse coroa pé na cova acha que vai fazer? Cai fora, todo mundo, senão...!”
_ ”Senão, o que, bando de desocupados? O que vocês vão fazer, hem?” E ficou tão irado, tão revoltado que se agarrou na rampa, e não sei como, mas foi uma reação tão sobre-humana que balançou a rampa de tal forma que os agressores caíram lá embaixo. Eles se levantaram mais irados ainda e subiram ameaçando o Seo Pedro João: “Ah, velhote! Futucou o cão com vara curta. Agora vai ver o que vai te acontecer!”
Sem se intimidar, retrucou o ancião: “O que, fedelho?” E partiu para o líder do bando e o agarrou chefe belas bitacas e saíram rolando duna abaixo. E lá embaixo, Seo Pedro João esbofeteava a cara do Lhubliu, o garoto drogado que ousara enfrentá-lo e o menosprezar. “Isso é pela falta de respeito, seo moleque! E isso é por você ter abortado o meu sonho e roubado de mim a única chance de ainda o realizar”.
Nisso, chegam seus filhos que o retira de cima do Lhubliu que sai correndo em disparada, acompanhado pelos outros de sua gang. “Vamos, pai!, Agora é sua vez! Vamos lá! Vamos descer a rampa e cair no lago!”
_ “Vou mais não, meus filhos! Perdi a graça! Deixa pra lá!”
E voltaram para a casa, tristes por não terem realizado aquele sonho mais uma vez fora abortado.
E, enquanto o ancião pensava em retroceder e mais uma vez tentar realizar o seu sonho, toca o despertador e o sonhador aqui desperta. Desta vez fui eu a causa de o sonho ter sido abortado.
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Este foi mais um sonho que tive hoje, ao despertar.