MONTEIRO LOBATO E O CORPO DO JECA

Para Monteiro Lobato nosso fazendeiro era vitima de certo piolho quando narra sua velha praga, seu corpo é insolente e preguiçoso:

A nossa montanha é vitima de um parasita, um piolho da terra, peculiar ao solo brasileiro como o “Argas” o é aos galinheiros ou “Sarcoptes mutans” á perna das aves domesticas. Poderíamos, analogicamente, classifica-lo entre as variedades do “Porrigo decalvans”, o parasita do couro cabeludo produtor da “pelada”, pois que onde ele assiste se vai despojando a terra de sua vegetal até cair em morna decrepitude, núa e descalvada. (LOBATO, 1956, p. 271).

Lobato é implacável com o caboclo, dando a ele uma espécie de classificação quase que como Hitler deu aos judeus. Combatia-se a praga dos judeus e as doenças hereditárias deveriam ser bombardeadas (COHEN, 1989). “Este funesto parasita da terra é o CABOCLO, espécie de homem baldio, semi-nomade, inadaptável à civilização, mas que vive a beira dela na penumbra das zonas fronteiriças” (LOBATO, 1956, p. 271).

Ao comparar com o corpo Europeu, suposto povo “civilizado” Lobato ao chamar o caboclo de inadaptável engrandece o estrangeiro e menospreza o povo brasileiro. O caboclo para Lobato não passa de sangue sugas. Culpa-o das queimadas e afugenta-o como cachorro importuno. Tripudia do caboclo sem instrução; “Enquanto a mata arde, o caboclo regala-se. – Etâ fogo bonito!“ (LOBATO, 1956, p. 275).

No problema vital, a figura de Osvaldo Cruz é emblemática e para Lobato o espírito científico agindo em beneficio da organização suplantaria o problema. Conforme Lobato (1948) “... a higiene nasceu” (p. 227) O higienismo assim se mostrava determinante. O povo seria agora, um cretino miserável e orgânico. “O povo cretinizado pela miséria organica de mãos dadas á mistificação republicana, olha em torno e só vê luz no farol erguido por Osvaldo num recanto sereno do Rio.” (LOBATO, 1948, p. 229).

Lobato concentra-se nesse momento em defesa da ciência, para ele o jeca não é um problema, ele está como um problema. E como problema da ciência deve ele ser medicado por ela. Esse povo de costas vergadas e com ancilostomose, doença causada por verme, também associada ao jeca deveria ser tratado. “E por sua vez transmitirá ao filho a má herança acrescida funestamente da sua contribuição pessoal de degenerescencia, consecutiva á continuação do trabalho do verme em seu organismo.” (LOBATO, 1948, p. 305).

Acreditando na ciência de seu tempo como tantos outros se curava o indolente Jeca. E mudando da água pro vinho já podemos comparar nosso Jeca ao Italiano, Português e o Espanhol. Uma verdadeira restauração higiênica, física e moral.

Era difícil e ainda é entender a subsistência do Jeca, pois em meados de uma industrialização aos moldes europeu, incompatível seria a pretensa forma de vida de nosso Jeca, seu corpo não é bem quisto. É como pedir ao índio que ele produza mais do que ele vai consumir. Na invenção do capital, Jeca não era legal, nem formal. Jeca era mesmo assim, não estava assim como pretendiam compreende-lo. Ao tentar se redimir de sua implacável crítica, se diz que o Jeca não é assim, ele está assim. Porém é exatamente o contrário, pois é o mesmo que dizer que o índio não é assim e que ele está assim. Tentar mudar o Jeca é matá-lo aos poucos, assim como muitos índios foram mortos pelo pretenso progresso.

REFERÊNCIAS

COHEN, P. Arquitetura do mal. Coleção II guerra mundial, continental vídeos, narrado por Bruno Ganz, 1989.

LOBATO, M. Problema vital. Obras Completas de Monteiro Lobato, Editora Brasiliense Ltda, São Paulo, 1948.

LOBATO, M. Urupês. Obras Completas de Monteiro Lobato, Editora Brasiliense Ltda, São Paulo, 1956.

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Alessandro Barreta Garcia
Enviado por Alessandro Barreta Garcia em 03/01/2011
Reeditado em 28/02/2012
Código do texto: T2705748
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