Feliz Ano Novo, Vida Idiota

Ele se sente meio alheio a tudo o que acontece. Sente-se um animal acuado fora do habitat natural, rodeado de predadores, resvalando para o embotamento para não cair num pânico irremediável. Ronda o local. Olha os convidados. Braços peludos erguendo taças, acendendo rojões, espetando palitos em cubinhos de mussarela fresca. Sorriso amarelados. Mulheres em longos vestidos. Maquiagens borradas. Curtos vestidos. Maquiagem borrada. Modos contidos. Risadas ameaçadoras. Bundas implacáveis. Cheiro de cio pairando no ar. Drinques. Cheiro de pólvora no ar. Explosão iminente. Ele não dança. Não sabe fazer a dança. Desconhece os passos. Pisa nos próprios pés. Não sabe o porquê de tudo aquilo. O embotamento vai dando lugar ao tédio. Um drinque cai em sua mão. Vai pra boca. Pro fígado. Pra mente. Outro drinque. O tédio diluído. Ao lado de uma mulher de vestido curto. Hálito de vinagrete. Conversa rasa. Papo furado. Outro drinque. Tédio inexiste. A porta de um quarto sendo trancada. Por dentro. Sexo sem beijo. Fogos de artifício. Pedacinhos de papel higiênico grudados no dente durante o sexo oral. Lavando o pau na pia do banheiro. Sorri para o espelho. Caga. Limpa o rabo. Lava as mãos. Desconhece a mulher que está no quarto. Sorri. Sai. Desliga a energia da casa. Expulsa todos em poucos minutos aos berros. Ninguém entende. Todavia, todos aceitam. Tranca as portas. Liga a energia da casa. Acende algumas luzes. Faz café. Senta diante de uma tela branca do computador. Espera as palavras chegarem. As primeiras que chegam:

"Quarta dimensão. Ruas molhadas refletindo os faróis dos automóveis de pessoas que vão para algum lugar. Para o terno colinho da Morte? A segunda dimensão, pouca resolução. Pessoas sempre procurando alguma coisa para fazer. Primeira dimensão. Cagões. Dirigindo seus automóveis na chuva procurando uma latrina para cagar a vida, cambada de mortos-vivos. Feliz Ano Novo, Vida Idiota".

Não gosta do que escreve. Como sempre. No entanto, não destrói o que saiu de sua mente excêntrica. "Quesefodaessaporra", pensa. Desliga o computador e se enfia nas cobertas e não consegue dormir nem por decreto. "Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café! Maldito café!", repete, como se estivesse contando carneirinhos. Duas horas e meia depois tem um ataque cardíaco fulminante. Feliz Ano Novo, Vida idiota...

Rolling Stones - Monkey Man

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 02/01/2011
Código do texto: T2704135
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