Adeus barco velho.
Adeus barco velho.
O velho barco continuava a navegar em derradeiras águas.
Agora, seu costado de cedro e o nobre convéz em teca já apodrecidos, encharcados, e devorados pelas cracas abaixo da linha d’água , se desfaziam em pequenas farpas de madeira negra e podre girando na água com o deslocamento da embarcação impulsionada pelos panos rotos e esgarçados, flamulando pela brisa, que, com certa piedade, vendo tão triste figura, poupava seus pulmões.
Mas havia a preciosa carga a ser salva, antes do naufrágio iminente.
A carga de sempre, que a milênios era transferida de tempos em tempos, e a carga de agora, que passaria a também pesar dentro dos escuros porões de carga.
Contra a suave brisa piedosa, navegando em orça folgada, o velho timoneiro ia bordejando de bombordo para boreste, e para bombordo novamente enquanto os panos esticados pela escota, trocavam de lado no mesmo ritmo.
O velho mastro, a cada jaibe executado, se mexia dentro de seu encaixe folgado pelo tempo no convés, se pendurando nos estais próximos da ruptura dos cabos desfiados pelo tempo.
Era preciso agir rápido, fazendo alguma coisa, antes que a brisa não aguentasse mais prender a respiração arrebentado o mastreamento, e que, também a água deslocada pelo igual empuxo do peso total esmagasse o costado desgastado, final dos tempos para os navegantes.
Foi então que contra o por do sol dourado no horizonte, a silhueta esplendorosa e brilhante de um barco novinho em folha apareceu. Casco branco, cabine amarela, velas verde-água, e um time de jovens marinheiros elegantemente trajados com calças branca e camisetas riscadas em azul. Todos ao mesmo tempo começaram a movimentar mão e braços num movimento rítmico, incentivando para que fossem alcançados.
Então os velhos marinheiros colocaram-se imediatamente em alerta iniciando a perigosa e derradeira mudança de rumo da embarcação a qual se não fosse executada dentro de toda a experiência acumulada por aqueles velhos braços curtidos pelo sal e sol, o esforço exigido ao que restava de estrutura do velho barco, não aguentaria. Para alcançar a salvação deveriam agora aprumar a proa ainda mais contra o vento numa orça forçada a qual inclinaria o barco, quase fazendo tocar a retranca da vela grande na água.
Esticando a escota e aferindo rota e leme, o velho barco rangeu em sua estrutura ao se inclinar no ângulo máximo para a nova rota. Porém, caixas da carga se soltaram das amarras no porão correndo para o lado do costado aumentando ainda mais o ângulo o que levaria fatalmente a quebra da estrutura com o oceano engolindo a tudo e a todos.
Todos se olharam, e como por milagre entenderam no mesmo momento o que seria preciso fazer.
Depois.
No barco novo, os jovens marinheiros, após terem acondicionado as preciosa carga no porão, olhando da amurada, virão boiando as caixas descartadas ao mar.
Intolerância, raiva, ódio, ressentimento, impaciência, mágoa... os velhos rótulos já começavam a ser dissolvidos nas águas do oceano.