Que venha a velhice
Que venha a velhice
Venha leve e curta, doce como uma brisa na tarde quente de Recife, suave a beira mar... E que seja curta. Vento breve, que balance o meu ser fazendo cair os frutos da grande arvore da memória, que eu os colha, saborei-os, sinta ainda o gosto bom da vida, que só é e só se percebe na idade madura. O fruto da saudade, sabor doce e ácido, travando a boca, umbu-cajá, fruta boa misturada na cachaça, hei de beber com os amigos e esquecer a vida vindoura. Quero viver de lembranças, de rir e esquecer, sim esquecer para lembrar, ler o mesmo adorável livro várias vezes, mastigar o alimento da alma sentindo o mesmo sabor e redescobrir o primeiro beijo.
Estou me preparando, apreensivo, temeroso, leão sem dentes, dragão sem fogo. Vou ficar de pé, espero. Vou caminhar, suponho. Serei digno? Os cabelos brancos terão brilho, passaporte para o orgulho? Netos? Bisnetos? E a vontade de viver, saberei moldá-la na tolice do simples, na gargalhada do idiota, no sorriso puro do menino? Terei forças para talhar a madeira dura do cansaço? Verei a vida como o absurdo do nada, me divertindo disso? E a fé? Será ela minha bengala? Não sei... Estou com medo, o pavor da queda, do susto, da cegueira maior: Não crer no amanhã! Vou chegar ao banheiro antes do meu mijo quente? Terei a perna firme para calçar meus sapatos? Serei alvo da piedade e mais um imóvel no salão de um asilo? Solidão.
O castigo maior me cerca, do meu eu só, parado e gélido, minha solidão. Trabuco na mão caminho nesse caminho duro de pó, no escuro, as corujas piam, nas pedras tropeço, a velha da foice me aguarda, com certeza da emboscada fatal, velha safada. Que venha a morte com força e fibra de macho, nordestina na peixeira, boa de mira, em um tiro só, um tombo só, num só adeus. Não quero a morte homeopática da medicina moderna, dos homens que não são homens de verdade, que mentem no jaleco branco da vida eterna, covardes na falta de humor e de morfina, agulhentos e feios, sombras brancas do nada, impiedosos.
Vou parar essa tortura que te exponho amigo, você vai ser velho se sorte tiver e serás mais ainda feliz se olhares agora teu Pai ou Avô, teu vizinho torto, aquela senhora de cadeira de rodas e fazê-los sorrir. Se uma breve gargalhada colher terás colhido uma flor, a mais bela flor, que um dia trarás na lapela. Encontraremo-nos no caminho, o amigo que aqui te escreve, nós e muitos, juntos marchando rumo ao céu. Um lugar pleno de crianças e sabores, frutas doces, animais, gatos, cavalos brancos, de uma só verdade reinante, a fantasia. O Céu será a fantasia que moldaste nos olhos dos mais velhos, eles te abraçarão com carinho e num passe de mágica dirão “A velhice é o castigo dos lábios, á a falta do riso, a chatice do nada” Te pegam pela mão e sobre a verde grama celeste chamarão as crianças para brincarem de tudo que foi proibido, travessuras mil, cambalhotas e gargalhadas, do nada vais rir e entender a beleza do grande palhaço que você já foi.
Carequinha, Golias e Muçum venham me ensinar o riso aqui da terra e me dê o dom de colher o riso do mais velho, desde o mais chato e rabugento, do emburrado ao inconformado, para que eu possa me redimir dos meus pecados.
Roberto Solano