Outra pequena crônica para lembrar Nelson Rodrigues.
Itatumbirapitinga
Quem vai lá? E, repito, quem é que se abalaria de ir a Itatumbirapitinga?
(Escrevo a frase acima e já me assalta a dúvida cruel: será ‘se abalaria de ir’, como escrevi, ou ‘se abalaria a ir’, ou, ainda, ‘se abalaria para ir’? Confesso que não sei. Mas isso pouco importa. Estou divagando. E, desculpem-me.)
Eis o que eu queria dizer: - Itatumbirapitinga tem que ser o nome de um lugar maravilhoso, de um paraíso idílico.
Não importa se praia, montanha ou campo, contanto que seja aprazível, de puro encantamento. Não uma localidade qualquer, mas sim um pedaço de céu e de sonho.
Itatumbirapitinga.
Estou enamorado do nome.
Olho, leio, pronuncio bem devagar, saboreando cada sílaba: - Itatumbirapitinga.
Não é apenas um nome; é sonoridade e plasticidade.
É toda uma sensação de prazer visual e auditivo que o simples enunciado do nome propicia.
Disse visual e auditivo e já acrescento: - olfativo.
Olfativo, também. E até mais.
Lembra-me, por exemplo, aromas longínquos que ficaram perdidos talvez na infância. Como o cheiro do mar. Que agradável lembrança é a do cheiro do mar!
Em Itatumbirapitinga, se mar houver, há de ser cheiro antes de paisagem.
Cheiro que antecipa o frêmito de coqueiros ao vento. Que vem antes do céu azul, das nuvens, e antes mesmo do tépido calor do sol pousando em nosso corpo.
O cheiro é uma sensação plena. Ah, o cheiro do mar!
E o ruído do mar! O som profundo e cavo da imensidão do mar. O rugir das vagas bravas no rochedo. O monótono arrulho do quebrar das ondas na praia. A alegre espuma que cresce muito branca e depois se dissolve pulando as conchinhas na areia.
Em menino eu queria morder o mar. Sentir seu paladar feito de espuma e sal.
Falo da infância porque o mar tem, além do cheiro, o gosto de infância.
Quando se é criança não se tem a responsabilidade e o compromisso que são as obsessões dos adultos.
E o mar nos trás de volta nossa infância distante. Quando não sentíamos nenhuma necessidade de interferir no mundo. E não precisávamos mudar nada.
Itatumbirapitinga é o resgate dessa infância contemplativa e sem compromisso.
Disse a pouco que Itatumbirapitinga poderia ser qualquer lugar – praia, montanha, campo – e já me corrijo: - Não pode, não pode. Tem que ter praia, tem que ser praia, e ter o mar permanentemente a lhe lamber os recortes da geografia.
Eis o que eu queria dizer: - Olhando o mar podemos ser pusilânimes sem culpa.
(dezembro de 2010. Há trinta anos Nelson Rodrigues deixou nosso convívio e foi morar em Itatumbirapitinga para sempre. Saudades.)