Partida com anônimo

Sei que o xadrex não é um jogo popular. Sabemos que o rei dos Jogos se tornou ainda mais soberbo disputado num clique com alguém anônimo. Sem espelhamento das personas é um alívio universal dos egos, principalmente aqueles que se danificam nas derrotas. No cotidiano perder para o vizinho vaidoso é algo que exige talento ao humor diário. Já com alguém desconhecido e de algum povo distante é mais fácil.

Idioma universal o xadrez apresenta espaço para emprego da palavra “esplêndido” com grande facilidade.

Neste final de ano guardarei para sempre uma partida que disputei na condição de anônimo. Minha experiência em “jogar com qualquer um” estava apenas começando. Foi duro vencer oito vezes seguidas sem que ninguém ficasse sabendo.

Criaturas sem vestígio senão da alma profunda de vinte e um lances... A vitória no anônimato ganha a timidez qualitativa do mistério.

Venci muitas partidas. Tenho sido vencedor bem mais do que perdedor. Mas houve um momento em que ocorreu o seguinte: (Podem, Leitores não versados neste esporte, relaxar. Minha narrativa será breve, objetiva, geométrica). Vencia com vasta vantagem decisiva. Meu opositor (a) no espaço para diálogo revelou a excessiva opressão das peças "brancas" sobre as "negras" que eu exercia.

- Jogue então o bispo, para afastar a minha peça de ataque. Aconselhei.

O anônimo(a) agradeceu. Realmente efetuou o lance de bispo. Retrocedi o cavalo queestava bem postado, tornando o jogo suave, e ampliando o tempo de brincadeira. Que sensação perfeita.

Tornei a tramar a ordem estratégica das peças, mas sobreveio-lhe o erro fatal. A dama veio postar-se na casa branca totalmente disponível para captura. Ficou “em prise” como se diz no jargão enxadristico.

O jogo estava perdido para o meu adversário (a). Acabado sob todos os pontos de vista: quantitativamente eu possuía grande vantagem material, posicionalmente andava a poucos passos do xeque-mate. Capturei então a rainha, sem rodeios, mas neste ponto, ao contrário de lhe dar mate, lhe ofereci empate.

O anônimo (a) aceitou. Podia ganhar, mas o empate me pareceu superior. Ficará por sorte no mais adorável e desconhecido ambiente do anonimato. Ninguém saberá.

Foi um dos momentos mais elevados do xadrez.

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Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 31/12/2010
Reeditado em 02/01/2011
Código do texto: T2702376
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