MONOCULTURA DE SONHOS
O calor invade a estrada. O asfalto queima enquanto penetra entre os montes desnudos no vale do Paraíba. A exploração do café dos áureos tempos abandonou terras inférteis vulneráveis aos olhares apressados repletos de origens e destinos. Raízes de famílias tradicionais ressecaram as possibilidades do vasto território na realização de um presente distante.
O viajante se deixa aprisionar na repetida paisagem... Tédio. O trajeto parece não ter fim, retratado na desolada geografia, à margem da história de colonização e desenvolvimento. Algumas tentativas de reflorestamento são oásis no deserto de cores esmaecidas sob um sol escaldante...
A importância do período do café. A possibilidade de cultivar a semente lançada nas terras preenchidas de escravidão e poder. Aproprio-me da metáfora para dar significado à cafeína da vida. O contínuo despertar para um novo dia com as expectativas renovadas em novos brilhos. Monocultura de sonhos... Períodos férteis para a plantação e a colheita, repetição da plantação nos áureos períodos da juventude. O corpo na plenitude, imerso na beleza dos instantes, deixa sugar do território todo o alimento como se o presente se transformasse na eternidade.
Novos sonhos, novas colheitas... As sementes lançadas no chão já não amadurecem em novos frutos, apodrecem na superfície sem conseguir aprofundar a essência do que está sendo degustado... O fluxo incessante da estrada ainda penetra as carnes desnudas. O corpo ressecado nas erosões do tempo, nas finitudes dos sonhos, é esquecido à margem dos trajetos para os distantes e indiferentes vales férteis. A alma enterrada sob as colheitas passadas é a lembrança perdida de uma esperança sem epitáfio. A impossibilidade redesenhando a geografia. Fissuras de um tardio erotismo, rugas que emolduram um olhar sem brilho...
Além do horizonte, o florescimento virginal, úmido e selvagem é cortado pela árida paisagem de um espelho futuro. Vaticínio de qualquer monocultura, percepção extemporânea do empobrecimento do próprio solo.