Cio da vida
Despertei-me com o veneno do teu cio,
Invadindo o meu corpo sem a permissão de minh’alma,
Sucumbindo-me a orgasmos de paixão,
Num delírio louco que só os impuros conseguem sobreviver.
Foi nesse despertar do sonho que o poeta compôs uma canção de dor ao ver a cama vazia. E nesse instante ele chorou diante do espelho, buscando uma resposta que jamais teria. Embalado pela dor debruçou-se sobre a escrivaninha e rabiscou num papel de embrulho do último presente que havia ganhado de sua amada. As frases traduziam todo o seu sentimento. Era uma melodia forte e sem rimas, onde suas lágrimas por vezes o fizeram parar de escrever para que pudesse limpar os óculos embaçados. O texto produzido não foi relido, foi simplesmente embolado e jogado na lixeira do banheiro com todo o desprezo que o seu coração desprendia. Tomou um banho demorado, para purificar-se. Colocou a melhor roupa e saiu. Antes, porém, olhou no espelho e já sem a emoção de há pouco, disse para si mesmo com uma dose de ironia: “a vida passa e eu preciso ir à luta”. O que faz um homem apaixonado quando perde o seu grande amor? Chora... Bebe...Mata... Morre... Essas são as atitudes dos mortais. Mas o poeta não, era preciso fazer da dor o encanto. Tomou umas cachaças, é verdade, mas só a ponto de trocar a dor pela inspiração. Buscou na lixeira a pérola que havia criado, pediu desculpas a seu coração, pois se sentiu oportunista, com o coração não se brinca. Voltou à velha e companheira escrivaninha e, como já dizia outro poeta, foi rimar amor e dor. Saiu dali feliz com sua produção. Buscava agora um intérprete que pudesse traduzir o que havia passado. Traduzir os poucos momentos que pensara até em “sei lá o quê”. E assim a vida nos acolhe, nos conforta, maltrata, mas tem lá o seu cio que nos desperta a cada amanhecer.