DOS PRESSÁGIOS DE CASSANDRA
 
 
Afinal, os astros impõem ou dispõem? Para mim e as minhas crenças arraigadas não restam dúvidas: impõem! Ouso, inclusive, afirmar além: não só os astros, como todas as demais artimanhas de predições exercem um comando supremo sobre mim. A causa seria porque já vi e vivi coisas inexplicáveis nessa vida? Reconheço, por outro lado, meu servilismo aos ofícios de Cassandra.  É o meu fraco. Querem ver?  Onde  ficou minha predileção desde criança pelo número cinco?  Coisa que não canso de me perguntar: “onde ficou a maldita predileção?!!!” Agora, vejam vocês, vem a numerologia e diz: “Valorando numericamente as letras do teu nome,  juntamente a respectiva data do nascimento,  encontro o teu número de predestinação. No teu caso, é o número oito! O que faço agora com o antigo e simpático cinco? Por acaso não haverá um meandro, um artifício qualquer que estejam embrenhados em meus dados a me compatibilizar com o velho e simpático cinco? O cinco é o meu chapa, o meu xodó, mas... Ary Quintela Junior, nascido aos 13/07/1986 = 8*.  E vem aquela voz imperial, cavernosa, mensageira das superstições e do sobrenatural, dizer: “Para todos os efeitos, o oito é que será o teu número na roda da vida e da sorte.”
“Mas Prof. Quaresma, e o cinco?”
 “Passar bem!” Conclui ele.
Não posso gostar de Júlia, que é sagitariana, pessoa a quem me dou muito bem, pois tenho de encontrar alguém de Aquário ou de Libra, meus parceiros zodiacais!  Tudo bem. Troco um número pelo outro e vou em frente. Buscarei com afinco encontrar uma nova Júlia aquariana e pronto! Que se danem os meus escrúpulos!
Ainda ontem, uma cigana me seguiu por curta distância. Tamanha sua lábia acabou por me convencer. Será que sou um notório otário? A troco de dez pratas acedi ao pedido dela. Sabem o que dizia as linhas da minha mão? Palavras dela: “O Sr., mocinho bonito, posso lhe dizer sobre o amor, saúde, amizade, viagem, do seu tempo de vida, dinheiro... o Sr. escolhe por onde começo.
Ante tantas opções, uma só mostrava relevância quanto às demais. Ora, se eu fosse esticar as canelas logo, o que me adiantaria saber sobre as outras? “Olha, primeiro fale sobre a minha vida; agora, se eu for morrer logo, bico calado, tá? E assim foi. Envolvido como estava, ouvi extasiado que minha vida duraria além dos 80 anos, pois a linha da vida se estendia até o pulso, mostrou-me convicta; que a saúde, fora alguns piripaques, estava supimpa; que as amizades eram sinceras, mas “devia ter cuidados com certa mulher”; que no amor iria aparecer uma loura bonita, espigada, olhos azuis, rica, espirituosa e se babando por mim (e o signo dela? pensei perguntar mas desisti); que a viagem sonhada seria agradável de ida e volta etc, etc...
“E a questão do dinheiro?” Antecipei-lhe.
“Minha Sta. Sara!” Respondeu-me surpresa.
“O que foi?... Vou perder o emprego?
“Não!” ...Olha que é coisa grande vindo aí... O sr. tem algum parente morando fora?... Pois é, está tudo amarradinho aqui, veja!” Forçava-me a ver certa região da palma da mão onde não se via absolutamente nada. “E o que é?” Finalmente perguntei-lhe. “O Sr. não viu nada?...  O Sr. tem um verdadeiro tesouro nas mãos!”
“Tesouro?... Como assim?
“Pela conformação das linhas aqui aqui, deve ser uma generosa herança... Coisa de muito dinheiro!
“E...” Interpelei-a com maior curiosidade.
“O Sr. mocinho bonito vai me dar mais R$ 20,00 para eu revelar, não vai?”
Com menos cerimônia levou os R$ 20,00, e, sem mais esforço, persuadiu-me tratar-se de parentes desconhecidos --- meus pais, segundo ela, saberiam dizer --- tendo grande consideração e apreço por mim, estavam dispostos a tornar-me herdeiro único e universal.
“Então, posso contar com a bolada?”
“Com certeza, meu senhor!”
Sinceramente, saí um homem renovado; irradiava otimismo e esperança tal uma criança com as mãos abarrotadas de balinhas nilva num parque.  É natural que a minha cabeça rodasse ante tamanhas alvíssaras, mas, em  que pese a saúde, viagens, dinheiro, eram quase nada frente à louraça que iria aparecer. Tudo graças ao novo talismã 8, imaginava.
Depois de acreditar em tudo, dizem candidamente os incrédulos que sou certo personagem de Voltaire, vulgo que não sei quem é, mas que não acredito ser.
 
moura vieira
Enviado por moura vieira em 30/12/2010
Reeditado em 22/03/2021
Código do texto: T2699953
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