Antes do amanhecer

A vida ainda parece ser tão bela. O dia amanhece lerdamente que chega a dar medo, quase fascinante. Humildemente confesso que assim me apresenta a vida, pois de outra forma viver carece de encantamento, de qualquer sentido.

Levanto vou-me até o calendário e vejo que é domingo. Algumas pessoas acham os domingos tristes e eu também. Mas a vida, afinal, nos exige uma certa simplicidade beatífica. Dela jamais o lívido medo senti. Da morte, é claro, por vezes eu tenho. E à medida que envelhecemos, dessa que nos leva, um ir-me sem volta é inevitável, portanto prefiro falar de coisas mais alegre. Mesmo assim sou um poço de contradições, mas amo a vida, mesmo que tenha uma pedra no meio do caminho, já dizia Carlos Drummond de Andrade.

Cá com meus botões, mas uma vez ou outra gosto de filosofar, que tudo que sou está em perpétuo movimento de busca, à procura de alguma coisa, nem sei o que é, mas que existe, existe. E por não conhecê-lo, não posso dizer que não exista. Isso são meras palavras em vão profiro? Vocábulos vazios escrevo? Mas acredito que não, pois nada é vazio de significado. Isso bem antes de levantar-me da cama “Penso, logo existo” e é, domingo. Aos pouco o dia vem. Vem tão devagar, quase parando. E assim me sinto uma criança sozinha e sem brinquedos. Saudade do jogo de bola de gude, do meu time de botão. Imagino batendo papo com Sartre e Albert Camus, ouvindo Ludwig van Beethoven, no melhor bar da cidade, então garanto que o domingo seria menos chato, menos lerdo, menos besta.

Gilson Pontes
Enviado por Gilson Pontes em 29/12/2010
Reeditado em 01/01/2011
Código do texto: T2698447
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