A Primeira Crônica
Toda pessoa que escreve, por mais que fique um bom tempo longe da sua arte, sabe que, invariavelmente há de retornar para a magia provocada pela palavra escrita. É exatamente isso que ocorre comigo, numa madrugada insone de quarta-feira. Sinto-me até culpada por relegar, por procrastinar esse ato que, no fundo, é muito significativo na minha vida.
É significativo para mim, pois, desde que me entendo como uma pessoa, eu sonhava em ser escritora. Diversas brincadeiras na infância sempre me direcionavam para o ato da escrita e da leitura. Montava em vários caderninhos longas e ilustradas histórias que acabaram por se perder com o tempo. Na adolescência redigi meu primeiro romance, algo quase épico, mas que para mim era um grande feito; bem como uma série de poesias e pensamentos típicos dessa faixa etária.
No momento da escolha profissional não tive dúvidas ao optar por uma graduação em Letras e continuei a seguir nesse rumo, sempre me aperfeiçoando. Acreditava que fazendo uma faculdade de Letras eu conseguiria escrever ainda melhor. De certa forma, é real, mas ao mesmo tempo, você se transforma no maior crítico de seus escritos. O que você ganha em conhecimento acaba por perder em espontaneidade.
O que quero dizer é que durante mais um tanto de tempo acabei por me dedicar mais a produção de textos acadêmicos, cientificistas e acabei por deixar de lado a produção da minha literatura: coloquei meus poemas, narrativas e reflexões no fundo de uma caixinha e tranquei com cadeado, guardando num cantinho escuro da minha vida.
Hoje, com a ajuda da insônia, resolvi mexer nessa caixinha. Claro que isso é uma metáfora. Metáfora dos sonhos, dos escritos que ficaram guardados enquanto eu seguia com outros planos pela vida afora. Portanto, hoje me permiti abrir a caixinha e produzir esta crônica.
Prometo a mim mesma que escreverei religiosamente a cada quinze dias e sempre que estiver inspirada, mas será que cumprirei essa promessa? Enquanto desfruto das merecidas férias, talvez até consiga cumprir esse trato comigo mesma, mas e quando as atribuições do cotidiano, a correria do trabalho e todos os outros segmentos da minha vida gritarem pedindo atenção, será que vou conseguir? Bom, pelo menos, já estou tentando com essa primeira crônica, profundamente metalinguística.
Já que se trata claramente de um texto metalinguístico, cá estou a pensar nos meios que eu usava para escrever essa minha literatura: caderninhos, pacientemente organizados com uma letra bonita, belas imagens e todos com títulos sugestivos e vistosos. Na adolescência, eis que me debruço sobre a máquina de escrever, e tudo o que estava em cursiva me delicio em transpor para esse novo meio. Até fiz o curso de datilografia! Como eu me sentia uma grande escritora ao som do tec-tec da maquininha! Já adulta sou apresentada ao computador, que meio realmente prático para um escritor: permitindo escrever numa velocidade ainda mais rápida, errar sem problemas e sem culpas e ter tudo armazenado numa memória de tamanho mínimo.
O que dizer então da Internet? Antes, uma boa parcela de escritores vivia num completo anonimato, quase que ostracismo. Se estudarmos a história da literatura brasileira veremos que foi um processo lento, do surgimento do primeiro escritor brasileiro até os mais diversos autores que habitam o mundo virtual. Os escritores contavam com pequenas publicações, os folhetins, colunas em jornal, gradualmente chegando ao livro impresso.
Infelizmente ainda hoje vivemos num mundo que viver de literatura é quase um devaneio. Livros são caros e muitas das vezes, quando um escritor precisa do apoio de alguém, geralmente não há com quem contar. Pelo menos nisso a Internet facilita a vida dos escritores, você publica seu trabalho ali, e, dependendo da qualidade ou da falta dela, você colhe seus frutos.
Fico feliz que, de certa forma, tenho colhido bons frutos, alguns até me surpreendem! Para cada escritor, um texto seu é como um filho, que um dia cresce e vai viver a sua vida, mas do qual você sempre espera ouvir algo com que possa se orgulhar. De fato, me orgulho desses meus filhos. Nem todos são bons, alguns são tão imaturos, inexperientes; outros são tão críticos, cruéis mas, saíram de mim, são parte de mim e não posso negar, assim como essa crônica que ao falar do ato da escrita que me resgata infindáveis lembranças literárias e que sei que depois de pronta terá vida própria. Bom, que ela então ganhe asas e que eu consiga cumprir a minha promessa, quem sabe resolução de ano novo, e que ela seja a primeira de muitas outras, deixando assim minha caixinha permanentemente destrancada.