O tempo vestido de gente
Ousado desenhista travestiu 2010 de um velho, de barbas longas e brancas, arquejando, apoiado numa bengala. Talvez o mesmo tenha desenhado o Ano Novo como uma criança, de fralda, chupeta na boca, engatinhando ainda sem qualquer direção. Travestir assim o tempo é embrulhar o etéreo, tratar como nu o espírito, dando roupa ao corpo que não se vê, veste a quem não se toca. Mesmo em assombração, a alma de quem se foi não enche os tecidos brancos que lhe cobrem o corpo. Na alma, encontra-se poesia. Mas, no tempo assim vestido, só se vê ironia, contrária à vida: quanto mais envelhece, ele renasce. Imaginam o Ano Novo passar pelas fases da vida animal, desafio da Esfinge, decifrado por Édipo na entrada de Tebas: de manhã, de quatro pés, engatinha; ao meio dia, anda com dois pés; à noite, com a bengala, então com três pés, caminha ao fim da estrada. Porém, o tempo em espiral, na nossa contagem, sai do fim para o recomeço; do leito da morte para renascer no berço. À sua imagem, o homem metamorfoseia o tempo que, impassível e indiferente a essas imaginações, continua nu, despido, contínuo como o espírito.
Outra obrigação que se atribui ao tempo é que ele seja bom, em alvissareiros desejos: bom ano, feliz Ano Novo! , querendo que, no nosso lugar, ele cumpra o dever de ser bom; que deixe de engatinhar; levante-se e vá à busca da perfeição, talvez se pensando que, assim, ele nos levaria à felicidade, como se ele fosse um transporte coletivo. Impassível ou indiferente, o tempo espera que você aja e se empenhe na busca da felicidade. Nesse sentido, Santo Agostinho definiu a quem cabe a iniciativa: é o homem quem faz o tempo e não, o tempo, o homem. Portanto, cabe a nós fazermos um Ano Novo venturoso e feliz, e não esperá-lo como presente ou fazer do tempo um Papai Noel que nos presenteia benesses.
Você, caro leitor, que certamente já engatinhou, levante-se e construa seu Ano Novo feliz, sobretudo fazendo os outros felizes, também porque não há felicidade para alguém circundado de infelizes. E, assim, você andará no tempo até a usar os três pés, desejando sempre muitos e muitos anos de vida, o que conseguirá, se zelar bem seu corpo, sem o equívoco de que, quando dosando sua ação, “o tempo é um remédio para tudo”. Em tempo, conclua-se que termina ano, reinicia ano, e somente o homem precisa contá-lo, numerá-lo, como minúscula parte de um contínuo que nunca termina. Somos nós quem termina no tempo sobre o que, oportunamente, questiono: quantos anos uma pessoa boa merece existir? Para isto, a indiferença do tempo também parece injusta e cruel: o fim da vida é indistinto, aleatório, igual para todos, os maus e os bons. Também porque a felicidade ou o prêmio de ser bom está em ser bom e não na longevidade.
Ousado desenhista travestiu 2010 de um velho, de barbas longas e brancas, arquejando, apoiado numa bengala. Talvez o mesmo tenha desenhado o Ano Novo como uma criança, de fralda, chupeta na boca, engatinhando ainda sem qualquer direção. Travestir assim o tempo é embrulhar o etéreo, tratar como nu o espírito, dando roupa ao corpo que não se vê, veste a quem não se toca. Mesmo em assombração, a alma de quem se foi não enche os tecidos brancos que lhe cobrem o corpo. Na alma, encontra-se poesia. Mas, no tempo assim vestido, só se vê ironia, contrária à vida: quanto mais envelhece, ele renasce. Imaginam o Ano Novo passar pelas fases da vida animal, desafio da Esfinge, decifrado por Édipo na entrada de Tebas: de manhã, de quatro pés, engatinha; ao meio dia, anda com dois pés; à noite, com a bengala, então com três pés, caminha ao fim da estrada. Porém, o tempo em espiral, na nossa contagem, sai do fim para o recomeço; do leito da morte para renascer no berço. À sua imagem, o homem metamorfoseia o tempo que, impassível e indiferente a essas imaginações, continua nu, despido, contínuo como o espírito.
Outra obrigação que se atribui ao tempo é que ele seja bom, em alvissareiros desejos: bom ano, feliz Ano Novo! , querendo que, no nosso lugar, ele cumpra o dever de ser bom; que deixe de engatinhar; levante-se e vá à busca da perfeição, talvez se pensando que, assim, ele nos levaria à felicidade, como se ele fosse um transporte coletivo. Impassível ou indiferente, o tempo espera que você aja e se empenhe na busca da felicidade. Nesse sentido, Santo Agostinho definiu a quem cabe a iniciativa: é o homem quem faz o tempo e não, o tempo, o homem. Portanto, cabe a nós fazermos um Ano Novo venturoso e feliz, e não esperá-lo como presente ou fazer do tempo um Papai Noel que nos presenteia benesses.
Você, caro leitor, que certamente já engatinhou, levante-se e construa seu Ano Novo feliz, sobretudo fazendo os outros felizes, também porque não há felicidade para alguém circundado de infelizes. E, assim, você andará no tempo até a usar os três pés, desejando sempre muitos e muitos anos de vida, o que conseguirá, se zelar bem seu corpo, sem o equívoco de que, quando dosando sua ação, “o tempo é um remédio para tudo”. Em tempo, conclua-se que termina ano, reinicia ano, e somente o homem precisa contá-lo, numerá-lo, como minúscula parte de um contínuo que nunca termina. Somos nós quem termina no tempo sobre o que, oportunamente, questiono: quantos anos uma pessoa boa merece existir? Para isto, a indiferença do tempo também parece injusta e cruel: o fim da vida é indistinto, aleatório, igual para todos, os maus e os bons. Também porque a felicidade ou o prêmio de ser bom está em ser bom e não na longevidade.