Manifesto contra a comercialização do eu
Engraçado como o cheiro do velho, do já passado incomoda. É um embrulho e uma sensação de estômago pesado. O chão me falta e a vista se faz introspectiva dando vazão às memórias. O medo da ciclicidade coagulada sempre foi o meu calcanhar de Aquiles. Como se o novo viesse livre, solto e rápido demais. A leveza do novo é imperceptível, contrastante com o peso grosso e corpulento da mudança. O tempo não muda ou alivia. O tempo intensifica a mudança: onda quebrando na orla, apagando, travestindo, alienando rastros, caminhos e pegadas.
Quanto vale um destino? O que é um destino? Todos nós temos um destino ou esse é uma dessas peças de antiquários jogadas no fundo de uma dessas lojas empoeiradas à mercê de um sujeito em massa qualquer?
Às vezes penso se a vida vale à pena; juro que penso. Às vezes eu penso que fui destinado a pensar e essa ação de evocar pensamentos me embrulha o peito mais que o estômago. E de novo dou vazão ao velho, nesses grandes rastros, nessas revoltas orlas: águas de pensamentos. Uma programação penosa...
Intriga-me e atormenta a idéia do “fast-living”. A gente mal nasce e a vida nos dá uma bandeja e diz: “despeje ações, sensações, sentimentos, muitas reações com uma pitada de reflexão. Após isso, mastigue menos, engula tudo bem rápido e sem pensar!” Daí começa uma corrida contra o tempo, vive-se intensamente uma programação do viver o hoje, respirar o agora e vislumbra-se o amanhã? Qual o porquê da pressa?
Viver tem data de validade, data de fabricação ou prazo para troca?Até quando não se é tarde demais para viver? Não falo dos ditos e necessidades de auto-afirmação do ser humano, mas sim da voz voraz de uma sociedade que se torna cada vez mais prematura e completamente descartável. As pessoas não param para ouvir e apreender com quem já viveu e tem para ensinar ou compartilhar uma vida: viver não é mais reciclável! O negócio é ser, seguir uma receita pronta ou simplesmente acontecer. Hoje todo mundo age, todos somos verbos: despojados, diretos e retos. Infelizmente as pessoas se esquecem de analisar, vivenciar os objetos indiretos, preposicionadas e ficam paralisadas com situações intransitivas. Falta um pouco de reflexão. Muitas das vezes o torto e marginal não é tão feio assim.
Muito prazer, eu sou um torto marginalizado! Muitos me chamam de anormal, sentimental e antiquado. Dizem que eu sou demais conservador e aquém do tempo e espaço. Será mesmo? Será que devo acelerar meu relógio biológico e para quê? Na verdade quero aprender a mastigar e entender como não consumir uma vida “hot pocket”. Farto dessa realidade que vai ao micro-ondas em uma porção que vale para três. Cansei dessa felicidade pré-moldada.