Viagem com pesadelos no formato de sonhos

Viajar é sempre uma busca de uma nova realidade, um abandono da rotina, onde o desconhecido parece ter a resposta para todas as nossas dúvidas. Mesmo quando a viagem é a trabalho teimamos e colocar nossas expectativas em momentos melhores do que a gente está tendo até agora.

E quando é a primeira viagem? Era o início da década de 80. Eu fazia parte de um grupo de jornalistas convidados por uma empresa para uma viagem e esta era a primeira vez que isto acontecia comigo.

Muitas outras viagens aconteceram depois. Mas nenhuma delas deixou tamanha saudade quanto aquela. A do meu sonho, por sorte, realizado.

Quando o despertador tocou pontualmente às 7 horas, eu já estava no final da maquilagem. Nada me atrasaria. Nem a noite mal dormida por causa da ansiedade. Meu sonho estava apenas começando.

Eu estava excitadíssima. Todas as minhas economias estavam indo comigo. Cada centavo estava sendo investido nesta tão sonhada viagem. O destino? Foz do Iguaçu, na época o mais importante paraíso de compras. A minha lista já estava pronta: o minigravador (para as minhas reportagens), jogo de maquiagem (mais caro do mundo), um tênis super transado, óculos escuros do “outro lado do mundo” e, se o dinheiro desse, um casaco chic e caro. Naturalmente havia uma prioridade “básica” que envolvia o presente do filho pequeno, o da mãe e as encomendas dos amigos.

O avião sairia às 15 horas. Ainda restava um tempão para checar a bagagem. Parecia que ia ficar um mês fora. Eu iria me hospedar num apartamento... sozinha? Era muito pra uma primeira viagem profissional. Nas malas estava tudo o que eu possui em matéria de roupas e sapatos. Fora isto, havia uma sacola vazia para as encomendas, né?

A viagem foi muito agradável. No avião da empresa que nos convidou até karaokê aconteceu. O pessoal ia se descontraindo e nasciam novas amizades. Entre um cafezinho e outro cada um falava das suas experiências. Eu não tinha “nenhuma” pra contar e apenas ouvia. Era minha estréia.

À noite estávamos no hotel. Eu nem acreditava que tudo aquilo estava acontecendo comigo. Me sentia a dona do mundo. Depois do jantar, mergulhei na cama sem vontade de sonhar. Nem precisava. Meu sonho já estava acontecendo.

É claro que nos levaram para as Cataratas do Iguaçu, até a Hidroelétrica de Itaipu e pra outras tantas maravilhas que existem naquele lugar. Eu estava quase hipnotizada quando a voz do guia me trouxe de volta para a realidade: agora vamos direto para as compras no Paraguai ou tomaremos um café colonial. Surtei. Eu preferia morrer de fome do que esperar mais algumas horas para chegar ao melhor momento da minha viagem. Voltei ao normal quando vi que todos queriam ir logo às compras. Sobre a Ponte da Amizade quase chorei. Eu estava chegando...

Naquele tempo quase nada do que eles vendiam, existia aqui no Brasil. A menos que se pagasse muito caro. Me separei do grupo e corri. Eu entrava e saía de lojas, sem fome, sem sede, apenas procurando meus tesouros e comprando, é claro. Eu poucas horas eu já nem conseguia caminhar por causa dos pacotes e de tanto ter corrido. Pelo jeito estava tudo ali. Não faltava nada. O dinheiro só não tinha dado para o super casaco. Mas eu nem fiquei triste porque já estava preparada.

De volta para o hotel nos deram uma hora para descermos para o jantar. Afinal, estávamos a trabalho e precisávamos falar sobre nossas impressões com o cliente. No quarto abri todos os pacotes e olhei para cada coisa umas duas vezes. Nunca tinha visto nada mais bonito. Então, o susto. Meu lindo e transado tênis eram dois pés direito. Não daria tempo para trocar porque iríamos embora na manhã seguinte. Que frustração. Senti tamanha tristeza que esqueci do jantar. Me chamaram pelo telefone. – Isto acontece – me disseram quando contei porque estava pra baixo. Logo todos do grupo sabiam o que tinha acontecido com a Denize. Justo com uma estreante. O gerente veio conversar comigo e prometeu trocar o tênis e enviar para mim, em São Paulo. O desespero me fez acreditar nele e entreguei a nota fiscal e os “dois pés direito”.

Pela manhã voltamos. Eu já estava conformada e extremamente feliz novamente. Não iria estragar tudo por causa de um par de tênis. Paciência. Ao meu redor o pessoal falava das suas compras. Eu rememorava cada minuto da viagem. Tinha sido tudo muito especial. Eu jamais esqueceria o barulho daquelas ruas mágicas. Doce bagunça. Eu estava em devaneio relembrando cada momento. Aquilo tinha acontecido mesmo. Não foi um sonho. Valeu.

E.T. Três dias depois chegou um pacote de Foz. Era um par de tênis com um pé direito e outro esquerdo. Eu não disse que valeu?

Denize Moreno
Enviado por Denize Moreno em 28/12/2010
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