Êta Povo Bom!

 

 

            Um dos hábitos goianos mais admiráveis é o de sentarem-se os vizinhos na calçada, em suas cadeiras, no fim da tarde, formando rodas e falando da vida sem pressa. Infelizmente as pequenas cidades crescem e começam a ser atropeladas pela correria típica dos grandes centros. No entanto, em muitas localidades, e em certos bairros da capital, podemos encontrar grupos que resistem ao assédio da novela das seis e se entregam a esse deleite.

 

            Outra mania que resiste: chegar na casa de alguém para visitar trazendo alguns quitutes; embora tal hábito comece a escassear, consumido pelo isolamento imposto pela modernidade.

Manda o costume da terra servir as visitas:

-         Vai um cafezinho? 

Para aqueles que não são da região eu digo: o convite deve sempre ser aceito; não é trabalho algum e pode soar como desfeita aos donos da casa se for recusado sem um motivo justo.

O café será servido nas melhores louças da casa, embora os trincados ou a falta de asa possam sugerir o contrário. Não existe miséria intencional por aqui. Não é de bom grado reparar nos móveis. Se quiser agradar ao anfitrião, comente sobre as fotos da família que estarão expostas na parede ou na estante da sala. Elogie a cidade, mesmo que seja a calma e haja falta do que fazer. Durante a conversa sorria e balance a cabeça concordando com as histórias, ainda que a mentira seja óbvia.

Convidar alguém para o almoço é comum. Deve-se almoçar devagar. A conversa à mesa pode girar em torno de assuntos do cotidiano, do trabalho, do clima, casos de família ou de pescaria. Evite a discórdia em assuntos sobre futebol e política. Quanto à religião, dominava o catolicismo que hoje divide espaço com outros cultos, sendo que todos precisam ser respeitados. Nunca se deve inflamar um debate a respeito da crença alheia. 

Após o almoço servem-se doces, em geral compotas ou alfenins, podendo ser acompanhados por licor, conforme o costume da cidade. Se nada for oferecido é devido ao estado das finanças da casa, o que deve ser ignorado. O fechamento se dá com café degustado a gosto. Caso venha açucarado, aprecie e não comente sobre a falta ou o excesso de açúcar. Simplesmente agradeça. Ao sair da casa não se assuste se falarem:

- Tenho algo para o senhor levar. Aceite o agrado. Poderão ser quitandas ou doces. Se entregues em uma vasilha, devolva-a depois com algum quitute.

Para aqueles que forem apresentados ao pequi, um aviso: nunca morda. As mordidas tornam-se inesquecíveis. Brotam do interior do fruto espinhos em diversas direções, amaldiçoando a língua do desafortunado. Vir a Goiás sem provar essa iguaria é considerado desfeita grave.

Não se assuste o estrangeiro, em passagem veloz, quando pedir uma informação se esta for prestada com riqueza de detalhes:

- O moço está vendo aquela casa verde? Não é ali. Ande três quadras e vai se deparar com a prefeitura, siga beirando a praça. Passe pela delegacia e depois dobre à direita. Siga por quatro quadras acima. Vai dar de frente para a venda do Seu Manoel. Dobre à esquerda por mais quatro travessas e vai chegar à churrascaria aonde a carne é suculenta. Passe por ela, a não ser que queira almoçar. Se quiser, fale que foi o Pedro, filho da Dona Alzira que indicou. O dono, seu Antônio, é nosso primo afastado, foi candidato a vereador na última eleição, mas perdeu feio. Logo adiante tem um ipê amarelo bem na porta da casa do Seu Adolfo, vizinho do homem que o senhor está procurando.

Não se espante e nem tema se aquele que lhe der a informação se aproximar do veículo. Você não será assaltado. O bom “goiano” vai se apoiar na janela, olhar em direção ao horizonte, coçar a cabeça, franzir a testa, comprimir os olhos e se oferecer para acompanhá-lo até o local. O sujeito não está querendo uma carona, provavelmente ele voltará à pé mesmo que precise andar vários quilômetros. 

Gente acolhedora como a nossa eu garanto: não se encontra fácil, embora os irmãos mineiros se esforcem no intento. Êta povo bom!