AGONIA EM QUATRO DIAS
Ele abriu a porta e foi entrando. Sem bater, sem pedir licença, sem avisar, como há vinte anos. Sua sogra, esparramada na poltrona, soltou as agulhas que nunca lhes saiam das mãos. Os olhos da velha dilataram-se sem mais caber na caixa ocular. Espantou-se. Um pânico de quem viu assombração. Oitenta e dois anos, achou que era prematura a visita da dona morte. Sem dizer palavra, empinou os pés no assoalho e esfregou o dorso nas costas da poltrona na busca de encontrar uma saída por trás do assento. Ele a olhou, sem também dizer nada, e passou de largo. A velha sempre lhe fora esquisita. Talvez fosse só um update na chatice da megera, pensou. Avançou pelo corredor e abriu agora a porta do seu quarto.
Um dos filhos levantou-se abruptamente. Um gesto da mãe, moribunda, o fez acalmar. A alcova emudeceu. Só olhares se cruzavam espantados.
– Como você pôde fazer isso comigo? Disse, quebrando o silêncio, num tom melancólico olhando para a mulher deitada sobre uma enorme cama toda enrolada em lençóis brancos como as nuvens daquela manhã de verão. Já tem quarto dias – continuou – que estou sozinho e você nem sequer me fez uma ligação. Nem mesmo para saber se estava vivo. Nunca me senti tão desprezado. O que significo para você? Onde está o amor que você devotou diante do altar? Eu penso em você todos os dias, todas as noites de minha vida – lágrimas gotejaram de seus olhos – e você, minha amada, minha querida esposa, não se importa de saber como estou por quatro longos dias. Eu que tanto lhe amei, tanto lhe presenteei e fiz de você a razão da minha existência. Seu descaso despedaçou meu coração. Como é forte a dor do desamor, sinônimo de indiferença. Você não podia fazer isso comigo. Quatro dias. Quatro dias – mostrava os dedos da mão direita, com exceção do polegar – é uma eternidade para quem ama. Quatro dias! – gritou. Fez uma pausa, soluçou e voltou a falar fleumaticamente – Jamais esperei isso de você, jamais. E, ainda por cima, chego em casa, você nem se move. Fica ai deitada nessa cama, olhando para mim com esse olhar de peixe congelado. Não me recebe mais na porta, não pula mais no meu pescoço e me beija como no inicio? Não entendo como você mudou tanto nesses quatro dias. Eu pensei que lhe conhecia, mas quatro dias são o suficiente para mudar sua personalidade ou mostrar realmente quem você é? Não entendo, definitivamente, não entendo! Eu sempre fui bom para você. Tenho meus defeitos, mas sou um bom marido. Acho que meu maior defeito foi amar demais. Olha só o que colhi: ingratidão, desprezo, indiferença. Você não tem ideia do mal que está me fazendo...
– Policia! Mãos na cabeça.
Os gritos dos policiais vieram ao mesmo tempo em que a porta do quarto se abriu. Algemaram-no e fizeram busca de arma, cuidando para que não desse outro tiro nela, como fizera há quatro dias.