CRIAR SIM - PRODUZIR NAO

Tenho escrito pouco. Muito menos que gostaria.

Não gosto de produzir. Gosto de criar. Criação natural e espontânea.

Gosto quanto emerge uma vontade qualquer e o assunto ou o poema vai transcorrendo livremente, como um ribeirão que corre silenciosamente em meio ao capoeirão, sem alardes, sem tapumes ou recifes, no mais absoluto silêncio e na mais amena discrição.

Gosto quando as palavras, as imagens e as intenções vão escorrendo normalmente, formando frases, versos e estrofes ou parágrafos, dizendo de forma espontâneo o que quero, mas mantendo a liberdade de quem o lê, de traduzir o que escrevo segundo o que deseja, o que seus sentimentos produzem de imagem, com o que quem lê associa ou imagina ou deseja ou precisa.

Minha mulher, minha fêmea e minha musa, minha parceira, minha cúmplice e meu suporte, as vezes me diz que gosta de me ver escrevendo, porque sente que eu viajo, que eu vago, como se estivesse tomado por entidades (ela é espiritista - eu não) e quando ela assim me diz, somente rio, porque realmente sinto que as palavras, os versos, as frases, fluem com tamanha desenvoltura e liberdade que até me surpreendem.

Digo a ela e a tantos amigos mais íntimos que questionam a inspiração com que um poeta cria, que o
poeta - ser privilegiado por Deus - tem a capacidade absoluta da empatia, conseguindo se colocar dentro ou a margem da imagem que sua imaginação desenvolve, ou exatamente nas vezes e no lugar de alguém , ou algum personagem, que quer ou deseja usar para dizer as suas coisas, os seus conceitos, seus preceitos ou simples opinião.

Realmente é um transe, uma desintegração ou integração física, ou um descompasso de tempo e de espaço, que elevam o poeta a uma amplitude, a um tempo e um espaço do qual somente retorna quando concluída a idéia.

Complexo eu sei, mas só que tem esse veio é capaz de entender intimamente e internamente esse processo de interação do poeta com as suas criações.

Por isso não gosto de produzir. Não sei produzir. Não aprendi a produzir. Só a criar coisas que tantas vezes surpreende até a mim, num questionamento infindo e tão imenso e imensurável quanto o firmamento, mercê de tantas ilusões e tantas viagens imaginárias mesmo daqueles que nunca foram astronautas, mas pelo menos foram ou são poetas.