NOSTALGIA DESPUDORADA E EXPLICITA
“Eu hoje, confesso, sou um sujeito totalmente nostálgico.”
Mário Roitman
O que é a nostalgia, senão o tempo, essa invisibilidade em movimento, materializando a nossa história? Sem a nostalgia não será possível viver. É o que nos resta quando o futuro se acaba sem ter ainda terminado de existir. Resta pouco dele e só podemos viver com a nostalgia do que fomos capazes de acumular. Se for em grande quantidade, temos nostalgia a vontade para ser usada e com ela refazer todos os gozos, agora perfeitos. Pois quem tem pouco do que ter nostalgia não sabe o prazer que dá não ter mais físico, nem carne, nem ossos, e voltar sem eles, para os lugares e as pessoas que se quer.
É isso que penso da nostalgia e que está na essência do meu livro “Além das portas azuis” ; um sentimento capaz de nos levar, pela recordação, à dimensão perpétua. Mas a nostalgia nem sempre foi pensada assim. Por volta do final do século XVII a nostalgia era uma doença dolorida, acreditava-se, que uma pessoa sentia por desejar voltar para sua casa com medo de não tê-la outra vez. E até o século XIX os médicos europeus continuavam a diagnosticar a nostalgia como uma doença; maladie du pays, na França, heimweh, na Alemanha, el mal del corazón, na Espanha, onde se chegava mais próximo da verdade. Certamente a nostalgia é o coração metafórico de uma parte de nosso cérebro.
Depois, aos poucos, a nostalgia foi perdendo essa condição de doença e sendo considerada uma forma de melancolia, um estagio patológico psicológico com predisposição para o suicídio. Hoje a nostalgia perdeu seu status ameaçador, sua pose e sua importância, sendo apenas admitida como um sentimento coitadinho de saudades; coisa que qualquer pessoa pode ter. Saudades de qualquer coisa no passado, como anos dourados e outras avaliações subjetivas, vagas, genéricas, com sensações de aperto no peito, nó na garganta, desânimo e até mesmo depressão e desespero sem controle. Fico com Kant que nos ensina que todos os homens são habitados por uma nostalgia metafísica. Isso é: agimos como se nossas idéias distantes e inacessíveis, que colocamos diante de nós mesmo, pudessem ser realizadas. Agimos assim, testando constantemente o que já foi um dado real e que acabou, como se fosse uma condição.
Essa é a magia; é ter a memória de todas as coisas. A dimensão perpétua do que foi vivido, experimentado; das coisas e das pessoas que habitaram em nós. Uns, invasores acampados, outros posseiros, que deixaram marcas com as cicatrizes dos rasgos feitos a força ou dos que foram abertos com um jeito bom, sem dor; rasgos permitidos. E da memória dos sons e dos aromas. Dos sons que foram gemidos, ou gritos, sussurros, cochichos; sssss de silêncio. De dor e de gozo. Dos aromas e dos cheiros que sentimos até hoje e que não entram por narinas por que impregnaram as lembranças só de ver ou de ouvir.
Nostalgia metafísica, sim, mas, também pertença primordial acumulada em anos, que são apenas referências convencionais do tempo a ser percorrido desde o passado até onde se quer chegar. Não há nostalgias boas ou más, como também não há essa classificação para pensamentos,lembranças ou recordações. O que foi bom ou mau, foram os fatos, os acontecimentos e as pessoas; em geral os outros. A nostalgia, portanto, não tem nada a ver com a qualidade das ações pois é apenas uma condição onde a recordação, a lembrança e o desejo se manifestam plenamente.
Nostalgia também é um sentimento de uma condição do que não se foi, do que não se teve e do que não se é. E com uma sensação de frustração, ou de remorso, nos leva a chafurdar no lado negro da mente. No inferno interior da culpa e do pecado judaico-cristão.Livremos-nos,pois, desse mal aqui na terra assim como no céu.
Há também que ser dito que a nostalgia só chega depois de, pelo menos, meio século de existência e vai num crescendo por uma década inteira até se completar. Aí sim, farta de recordações e de lembranças se expõe por inteira. Silenciosa, porém despudorada. Invisível, porém explicita.