A tradição da “Fogueira do Natal” nas aldeias de Portugal
Natal também é sinônimo de união e partilha. Desde há muitos anos é tradição, nas aldeias portuguesas, desde a semana do Natal e, até ao Dia de Reis, dia 6 de janeiro, essa época ser marcada pelo convívio da comunidade em torno dos madeiros.
Para quem desconhece o termo, madeiros – assim chamados mais a sul – ou lenhos – como são chamados mais a norte, eram grandes fogueiras acendidas nas praças, largos principais ou nos adros das igrejas na véspera de Natal. A tradição ainda se mantém no interior e no norte do país, em vilas e aldeias da Beira e de Trás-os-Montes.
Em mais uma viagem ao passado vou descrever como se vive toda essa festa em torno da fogueira de natal, na minha aldeia, em Trás-os-Montes, Portugal:
Os madeiros, lenhos, cepos, galheiros ou fogueiras do Natal, é uma tradição milenar portuguesa que passou de geração em geração e ainda se mantém em algumas aldeias portuguesas.
Tudo começa dois ou três dias antes do Natal, quando se juntam vários rapazes da aldeia e vão pelas matas fora, em tratores agrícolas (antigamente iam com carros de bois ou de burros), a fim de arrancarem o madeiro, grossos e volumosos troncos e raízes de árvores velhas que depois são levados para a aldeia. Por vezes também surrupiam um ou outro tronco guardado nos quintais mais próximos, o que deixa o proprietário muito zangado (normalmente um idoso avarento).
Quando os rapazes chegam à aldeia com o madeiro, as pessoas aguardam ansiosamente poder vê-lo. Os rapazes, sentados em cima dos grandes troncos de madeira, sorriem contentes, satisfeitos por mais um ano terem cumprido a tradição.
O largo depressa se enche com pessoas vindas de toda a aldeia que, cheias de curiosidade, vêm ver o madeiro desse ano, e que, muito em breve irá arder. Irrompem, então, manifestações de alegria, vindas de todos os lados, aos simpáticos e valentes rapazes, que para não deixarem extinguir o fogo de uma tradição remota, tão longe foram buscar os troncos de árvores.
Chega finalmente a manhã do dia 24 de dezembro, dia em que normalmente se ateia fogo ao madeiro. É sempre um dia aguardado com ansiedade:
O madeiro é regado com gasolina (antigamente eram colocadas muitas pinhas e palha seca para acender a fogueira) e este começa a arder. O povo grita "arda o madeiro que ainda está inteiro". E o madeiro arde em altas chamas durante os dias e as longas noites do dia 24 e 25 de dezembro. Alguns anos arde durante vários dias. Lembro-me de que em alguns anos, na noite de 31 de dezembro a fogueira do Natal ainda ardia. E no dia de 6 de janeiro, dia de Reis, voltavam a acendê-la.
Este hábito da reunião à volta da fogueira do Natal é um encontro e convívio de índole cultural que se transporta para fora da intimidade do lar. Esta tradição simboliza a partilha e o espírito de comunidade que deverá estar presente nesta época festiva do ano. Possui um significado religioso que antecede ao tempo em que os povos aguardavam o nascimento de Jesus. Existem também teorias que remetem esta festa para primitivos cultos pagãos, de celebração do solstício de Inverno, em que se acendiam enormes fogueiras ao ar livre.
No dia de Natal quase todas as pessoas da aldeia se juntam em volta daquela enorme fogueira. Uns vão e outros voltam. Alguns trazem belas linguiças e alheiras que irão assar ali mesmo nas brasas, outros trazem rabanadas e vinho fino. E ali, durante horas, conversa-se, namora-se, come-se, bebe-se, compra-se, vende-se, joga-se ao “par e ao pernão”, canta-se e toca-se a concertina, discute-se o preço do vinho, da azeitona e do azeite. Inevitavelmente surgem as comparações com fogueiras de outros natais e lembranças dos Natais mais antigos.
Não falta também quem apanhe umas brasas acesas e as leve para casa, porque o povo acredita que representa qualquer coisa de sagrado e isso basta para afugentar os raios e as trovoadas.
Em tempos de mudança cultural rápida e profunda como a que vivemos nos nossos dias, faço votos que esta tradição tenha continuidade para gerações futuras em memória dos valores e costumes do povo desta terra, que orgulha tantos transmontanos e portugueses.
Ana Flor do Lácio (26/12/2010)