O presépio perfeito

Já é dia 24 de Dezembro.Olho para a sala e admiro a árvore de natal toda acesa e tocando músicas da época;contribuição de minha esposa,craque na arte de torcer e esticar os galhos na forma certa e de posicionar os pisca piscas de um jeito que nem o decorador mais competente faria.

Com um sentimento de culpa,retiro do compartimento mais alto do armário o pacote onde guardo meu presépio.Falo em sentimento de culpa,pois sei que ele já deveria estar montado na minha estante há mais de um mês.

Adoro presépios,sejam eles tradicionais ou estilizados,feitos de matéria sintética ou natural,luxuosos ou simples...Mas pensando bem,talvez a minha demora em montá-lo tenha a ver com o fato dele despertar em mim lembranças;não que sejam lembranças ruins(e certamente não são),mas lembranças invariavelmente nos trazem uma certa melancolia,principalmente se você é o tipo de pessoa que tem uma pequena inclinação para tal.

Libero o local na estante,coloco o forro de papel camurça cinza que servirá de chão e despejo sobre ele a serragem,para dar um toque realista;coloco as plantas artificiais e as pedras,essas últimas feitas de papel que imita o mármore.

Começo a tirar as peças da caixa;todas estão envolvidas cuidadosamente por um fino papel branco,quase transparente.

A pequena manjedoura com o menino jesus deitado,São José e a Virgem Maria são as primeiras figuras a tomarem seus lugares,e foram presente de minha avó materna.Ela,percebendo na época minha paixão pelo simbolismo,me incentivou a montar o meu próprio presépio;e foi o que fiz ao longo dos anos,comprando figuras novas em lojas ou ganhando outras da mesma avó e de uma tia que também curtia o passatempo.Aqui Devo fazer uma confissão:quando ainda era moleque,cheguei a "pegar emprestado" uns carneirinhos de minha tia;afinal,ela tinha muitos no seu belíssimo presépio e eles eram de gesso,muito mais perfeitos do que os de plástico que passaram a ser vendidos depois.

Agora posiciono os três reis magos(eles devem ficar bem em frente a manjedoura),coloco o burro e a vaquinha perto do cristo para aquecê-lo,distribuo os carneiros,os camelos e os pastores de uma forma que não fique espaço vazio,e deixo o anjo suspenso no ar,pairando sob o presépio(com o auxílio de fita isolante e linha de costura escura,que uso para prendê-lo no teto da estante,também escuro).

Chego finalmente a etapa da iluminação.Com cuidado,instalo as pequenas lâmpadas que,com as luzes do quarto apagadas,farão as vezes de um céu estrelado sobre o presépio.

Pronto!Terminei....Mas,espere!Dou um olhar de soslaio para a caixa e vejo que ainda falta uma peça.Tiro o papel branco e reconheço o tocador de gaita de foles escocês que eu todos os anos,contra todas as regras do bom senso,continuo a colocar no meu presépio.Ele é o último remanescente dos brinquedos de minha infância e,não sei por que cargas d'água,acabou entre as peças do presépio e foi ficando,como se recusasse a cair no esquecimento.

Certa vez,perguntei a um tio meu se ele achava correto insistir na "escalação" do tal boneco e ele me respondeu:"O presépio não é seu?Então coloca quem você quiser!"

Mais uma vez sigo os conselhos desse tio e posiciono o escocês entre os pastores(acho que,com sorte, ninguém vai reparar).

Apago a luz do quarto e acendo as luzes do presépio.Gosto do que vejo.Lembro de minha avó,minha tia,meu tio e de tantos outros parentes que não estão mais aqui.Desta vez,porém,não me vem qualquer sentimento negativo,e sim a certeza de que,se eu quiser senti-los mais perto,é só olhar para as luzes do meu presépio e imaginar que eles estão ali.

arqueiro
Enviado por arqueiro em 26/12/2010
Reeditado em 26/12/2010
Código do texto: T2693000
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.