AS VELHAS CASAS

Nasci em velha e sombria casa de alforge do século XIX. Nas frias noites de Inverno, quando o vento assobiava do Terreirinho, e a saraiva vergastava impiedosamente as vidraças, rangiam as traves, e não era raro escutar, por alta madrugada, rebuliço e chiadeira de ratos assustadiços, que corriam pelo robusto travessamente.

Ficava, em menino, transido de medo, ao percorrer após a noite cair, os diferentes andares; e ao recolher-me, cerrada a porta, mergulhava entre cobertores da serra e lençóis de linho, cobrindo o rosto, receoso de ruídos indesejáveis.

Era difícil ser criança nessas antigas casas, de amplas salas e escadarias mal iluminadas, que estavam impregnadas de história. Histórias da família, e muitas bem funestas.

Cada quarto, cada sala, cada canto, escondia uma recordação: Nesta estreita salinha, meu avô montou a capela. Naquela, cujas janelas de guilhotina davam para o rio Douro, faleceu minha avó, segurando a imagem da Imaculada. Estoutra, larga como salão de igreja, minha santa bisavó rezava pela calada da noite, mergulhada em dor, diante do santuário de pau-preto.

Ao serão, meu pai, recordava saudosamente, isso. Contava e recontava velhíssimas histórias, e eu escutava-as extasiado, e renascia, em mim, a saudade de antepassados que nunca conhecera.

Por vezes a “ saudade” levavas-me ao antigo álbum de madrepérola, de grossas folhas de cartão, e atentava nas amarelecidas fotografias, também elas presas a espessas cartolinas.

As poses antiquadas, os trajos cheios de pendericalhos, os cenários românticos, assim como os penteados pretensiosos, fascinavam-me, transportando-me, por arte mágica, a outras épocas, a outros tempos. Tempo que não vivi, mas permaneciam presos nas baças imagens envelhecidas, encerradas no velho álbum de madrepérola.

Recorria então a outro álbum, recoberto a pálido veludilho encarnado de letras avivadas a oiro, que diziam: “ Postais Ilustrados”

Nele havia antigos postais da colecção de minha avó, com graciosos desenhos, representando rosados meninos de rostos angélicos, e meninas de saias, alegradas a renda, que ofereciam lindos ramalhetes de flores.

Havia também senhoras e cavalheiros de chapéu, de maliciosos olhares, e vistas de trechos da cidade do Porto e São Paulo; estas enviadas por parentes que labutavam em terras de Santa Cruz. Território longínquo, que meu pai dizia ser preciso um mês de viagem!

Bem diferente são os actuais lares, onde nada lembra os antepassados, daqueles que nem o nome conhecemos, mas sem eles, não existiríamos.

Sem objectos, sem fotos, sem saberem as velhas e revelhas histórias, as aventuras e desventuras dos que nos antecederam, não pode haver família, mas agregado; não pode haver união, mas ajuntamento; não pode haver respeito pelo nome que herdamos.

Agora tudo é superficial. Os jovens estão desenraizados, porque nunca tiveram casa que passasse de geração a geração; apartem-se facilmente do local onde nasceram e se criaram; é geração sem pátria, que não sabe donde veio, que deambula de terra em terra, sempre em busca de mundo melhor e diferente.

Pobre geração! Pobres jovens que nunca conheceram o que é ter casa de família!

Humberto Pinho da Silva
Enviado por Humberto Pinho da Silva em 26/12/2010
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