Whitestripes

Agora somos uma família. E pode ser que as coisas até melhorem. Desde que eu não conheça você, e você não se interesse por mim.

Eu tenho cérebro, sim, para usar meu aparelho locomotor com destreza semelhante à dos paquidermes. E para deixar mensagens cifradas dentro de uma caixa vermelha.

E se você diz para mim que é hora de levantar o acampamento e colocar o pé na estrada, eu pensarei que essas coisas fazem parte de estar junto. Mas para nosso próprio bem-estar é melhor que cada um tenha seus segredos, e enquanto eu durmo sobre nossas mochilas empoeiradas, você vai para a beira da estrada pedir carona. Quando abro um dos olhos, no meio de toda aquela confusão, vejo você com os cabelos pretos esvoaçantes e a mini-saia amarela. E eu nunca sei onde estava com a cabeça, ao me meter nisso.

Fugir de casa é sempre sem sentido. Até por causa de uma guitarra e meia dúzia de fãs gritando. Quando toco minha guitarra, é que sinto a justificativa de todas as besteiras cometidas. Os porres terríveis em bares esquisitos. Lotados de gente esquisita.

E como sou desastrado. Justamente por isso, é que não consigo fazer você desistir de um sonho que é meu. Estar junto, eu acho que é isso.

Agora é a minha vê de pedir carona. E enquanto você toma sua água mineral, sinto pena do que eu já fui, e mais ainda do que vou ser. Porque querer ser jovem eternamente, é ter muito pouco para oferecer para o mundo.

A casa não sai de meu pensamento. E em suas paredes, as lâmpadas produzem ilusões semelhantes a fantasmas. È muito mais fácil acreditar em fantasmas do que no mundo real. Este, só pode me levar a uma morte desconhecida no interior do meio do nada, sem ninguém para sentir falta. A não ser a carga chamada Alice que viaja comigo e me faz perceber que quanto mais eu tento falar, menor é a minha importância.

Preciso de uma testemunha para a minha morte no futuro. E justamente por ser um pouco eu mesmo, é que ela viaja comigo.

Não sei de família alguma, nem de país algum, nem pátria nem ideais corretos. Só sei de minha guitarra velha, e do meu maço de Hollywood. Este, que me foi vendido a anos atrás, me dizendo que eu seria um sucesso. Nada é mais verdadeiro. Nada mais semelhante ao sucesso do que a fumaça. E fumar, entoxicar o corpo, é uma forma de me sentir real, e evitar que eu próprio vire poeira. Como a poeira da estrada, que cada dia me leva a um recanto mais bizarro, mais cruel.

Por isso tudo o anel em seu dedo. Por isso tudo, uma promessa numa liga de metal. E ela sorriu, como se tivesse ganhado uma passagem direto para o céu. Só eu chorei por dentro, porque não bastasse eu acabar com minha vida, teria de acabar com a vida de outra pessoa. Mas com o tempo, a gente se acostuma. E percebe que nossas mentiras, às vezes se convertem em verdades absolutas. Pois nós que as inventamos, passamos a creditar piamente nelas.

Escrever eu escrevo. De forma antipática, pois não é música. Mas escrevo para viver eternamente em livros mimeografados, ou em muros das cidades que pichei.

É tudo muito pequeno. Minha vida toda cabe dentro de uma caixa vermelha. Cabe dentro de uma partitura sem-vergonha. E vamos como todo covarde, cantando e sorrindo aquele sorriso besta, para sermos simpáticos para a morte. Só que a morte não tem senso de humor.

E estamos todos, a todo tempo, indo embora. Para tantos lugares, que nem sabemos onde mais estamos. Mas só me interessa a estrada, que está entre o lugar nenhum, e o já foi tarde. Somente lá alguma coisa faz sentido, mesmo que o anel no dedo da menina deslumbrada com o grande artista, tente provar o contrário. Mais cedo ou mais tarde, isso vai terminar em cobranças e em esperanças. E eu que só queria um conhaque......

Revoluções não me interessam. Somente a noite que chega. E ela serve para esconder o olhar de desapontamento de Alice, quando percebe que nosso acampamento não sairia do lugar.

Aqui vamos nós de novo, noite adentro. O grande problema de eu ter um cérebro é que não sei exatamento que fazer com ele. Porque eu tenho estas mochilas, eu tenho essa estrada que não termina nunca, e eu tenho a menina com o anel no dedo, mas depois, o que será. Só estou acostumado a isso.

Amanhã, talvez tenha mais respostas, dos que as que já tenho prontas. Vamos seguindo. Eu minhas muletas, minha caixa vermelha, e um pouco de vergonha na cara. Mas não muita......

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 20/10/2006
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